O final de semana passado nos trouxe duas manchetes sensacionais - no sábado: “EUA cobram ação imediata do Brasil contra desmatamento”; e, no domingo: “Boom de commodities deve trazer de volta superávit nas contas externas após 14 anos”.
Nós sabemos que o Brasil é o país que mais preserva o meio ambiente, suas reservas naturais; temos o Código Florestal mais restritivo do mundo. O mundo também sabe. Mas, no jogo de gigantes, isso não tem sido lembrado. Fotos do desmatamento são mais impressionantes, independentemente de seu real significado nas emissões mundiais de carbono. Pouco se lê sobre as emissões de Pequim, Nova Iorque ou Paris ou sobre as emissões das usinas termoeléctricas mundo afora. É que o foco real não é esse; e sim o incômodo econômico que o Brasil causa, principalmente nos Estados Unidos e na Europa. Mais eficiência aqui, maior necessidade de subsídios lá.
Vamos lembrar de um documento um pouco antigo, publicado em 2011: Farms Here, Forests There: Tropical Deforestation and U.S. Competitiveness in Agriculture and Timber (Fazendas Aqui, Florestas Lá: Desmatamento Tropical e Competitividade na Agricultura e Atividade Florestal Americana. Trata-se de um relatório preparado por Shari Friedman, executiva ligada a organizações que se ocupam das mudanças climáticas. O documento foi financiado pela National Farmers Union (Associação Nacional de Fazendeiros) e pela ONG Avoided Deforestation Partners (Parceiros contra o Desmatamento). Encontrado em: http://assets.usw.org/our-
Muito bem, já se falou muito deste documento publicado há dez anos. Mas está mais atual que nunca. Algumas das principais conclusões:
1. “Operações agrícolas ilegais e não sustentáveis estrangeiras estão destruindo as florestas tropicais, emitindo mais carbono que todos os carros, caminhões, tratores e equipamentos agrícolas combinados”. Trata-se de um evidente exagero. Não é verdade. A operação agrícola brasileira está longe de ilegal, e cada vez mais longe de insustentável.
2. “Os produtos agrícolas e florestais do desmatamento estão deprimindo os preços internacionais, prejudicando economicamente os produtores americanos”. Vejam bem: nosso crescimento agrícola não ocorreu com desmatamento, outra conclusão errada do documento.
3. “A proteção das florestas úmidas tropicais através de políticas climáticas resultará em aumento de faturamento entre 196 e 267 bilhões de dólares para os agricultores americanos”. Entenderam??
Vamos agora pegar o exemplo da soja: em 2011, o Brasil produzia, aproximadamente, 72 milhões de toneladas e os Estados Unidos, aproximadamente, 90 milhões de toneladas. Em 2020, o Brasil produziu 124,8 milhões de toneladas, e os Estados Unidos 96,7 milhões de toneladas. Isso dá uma dimensão da preocupação, não só americana, mas de outros produtores com o crescimento da agricultura brasileira. Sem desmatar.
Ocorre ainda que os agricultores europeus, e principalmente os americanos, têm lobbies fortíssimos junto aos governos. Então, é necessário achar alguma coisa ruim no Brasil. Infelizmente temos tido problemas com queimadas, por diversos motivos. Tem sido nosso calcanhar de Aquiles. Não interessa quanto de verdade tem na importância ou tamanho das queimadas, o problema real não é esse.
Então, vemos nossa soberania ameaçada, todos querendo “segurar” nossa agricultura por motivos disfarçadamente ambientais. Já tivemos barreiras sanitárias e outras. Hoje é ambiental.
Então, o problema é político, mas, principalmente de comunicação de massa. Ainda temos muitos brasileiros a serem convencidos da eficiência ambiental de nossa produção, mas isso não é suficiente. Essa comunicação também precisa ser exportada. Crescer dói, como dizia minha avó.