Na longa trajetória que levou o homem das cavernas aos modernos prédios de apartamentos, do uso de pele de animais como vestimentas aos atuais ternos de grife, da carne como fonte básica de alimento às atuais dietas balanceadas, sem dúvida que a descoberta da função geratriz das sementes foi das mais importantes, pois possibilitou ao homem abandonar a condição de nômade e a se fixar na terra, que passou a chamar de sua propriedade, e assim criar raízes e estabelecer família em ambiente permanente e seguro.
A partir desse evento, o homem passou a cultivar, colher, comer e guardar o excedente, refazendo o processo a cada ciclo. Na medida em que evoluía, o homem melhorava o processo e procurava colher cada vez mais e melhor, até porque a família crescia, os vizinhos chegavam e as necessidades de consumo somente aumentavam. Àqueles que dominavam de forma mais completa as técnicas de cultivo eram conferidas homenagens especiais e tratados com certa distinção. À propósito, Laurence Gardner, em seu livro A Origem de Deus, reporta que dez mil anos antes de Cristo, os homens que dominavam a arte do cultivo da terra eram reverenciados como verdadeiros Deuses e tinham posição de destaque e voz ativa na comunidade.
Na medida em que as necessidades de produzir cada vez mais se faziam presentes, o homem tratou de adicionar novas e eficientes técnicas de plantio e conservação do que colhia; passou a selecionar empiricamente suas sementes; melhorou a forma de preservação do que era destinado ao consumo e que serviria de sementes para o futuro plantio; aumentou a área de cultivo quando aquela que usava não atendia mais a demanda de consumo; passou a diversificar a produção e se aventurou no conhecimento e domesticação de outras espécies de plantas.
Mas nesse caminho nem tudo foram flores e não foram poucos os percalços que nossos agricultores, iniciantes no ramo e sem referência alguma, enfrentaram. Foram grandes os desafios. Na medida em que crescia a área plantada e muitos se dedicavam, ao mesmo tempo, à nobre arte de plantar para satisfazer a quem tem fome, vieram problemas das mais variadas matizes e, sem qualquer dúvida, nesse imbróglio todo, os mais relevantes foram aqueles de ordem biológica - os insetos, os fungos e as plantas daninhas; problemas de tal magnitude que mesmo hoje, em pleno século XXI, ainda assustam muita gente. Se há uma afirmação que se possa fazer com alto grau de certeza é que as pragas foram, e são o maior problema de cunho biológico a impor limitações bioeconômicas ao desenvolvimento da agricultura no mundo, de forma geral, e nos trópicos, de forma muito especial – até porque as condições ambientais predominantes nos trópicos (altas temperaturas e umidade relativa durante praticamente o ano inteiro) são extremamente favoráveis ao desenvolvimento deste tipo de disseminação.
Foi somente em meados do Século XX, por ocasião da II grande Guerra Mundial, que surgiram os primeiros produtos capazes de fazer frente aos desafios de controlar as pragas da agricultura - produtos denominados de defensivos agrícolas e, mais tarde, estigmatizados pela alcunha de agrotóxicos ou pesticidas. A agricultura que conhecemos, hoje, só foi concebida graças à capacidade desses produtos em proteger as culturas, reduzir a competição exercida pelos agentes bióticos e garantir a produção desejada de grão, carne, frutas entre outros produtos. A humanidade pagou um preço muito alto para atingir o nível de competência que temos hoje; a agricultura moderna que conhecemos, onde altas produtividades são requeridas para atender a demanda cada vez mais elevada da sociedade, decorrente, primariamente do crescimento populacional e no seu viés da distribuição de renda, só foi possível com o apoio incondicional dos defensivos agrícolas. As novas cultivares de milho, soja, arroz e trigo, para ficar apenas nas mais relevantes, manifestam todo seu arsenal genético produtivo mediante controle sistemático das endemias que as acometem durante seu ciclo de vida. Para as áreas de culturas perenes e pastagens não vale nem a pena comentar.
Conquanto se deva reconhecer essa importância, em passado recente, os defensivos agrícolas passaram a sofrer campanha difamatória incessante, que não dá trégua. Nos mais variados fóruns que vão desde reuniões de sindicatos a comentários de jardineiros e profissionais do ramo e, principalmente de pessoas que influenciam diretamente a opinião pública, tais como atrizes, diretores de cinema, etc, a supressão desses produtos é defendida com unhas e dentes; jornais estampam suas manchetes que revelam, claramente, uma posição antipática ao uso de tais produtos. Recentemente, uma novidade veio à tona: “Os agrotóxicos violam o direito humano à alimentação adequada.” Que todos tenham o direito e até o dever de manifestar sua opinião é certo e líquido, e longe de imaginar o cerceamento de tal prerrogativa, ao contrário, devemos estimular tal atitude. Só que é preciso deixar as paixões de lado e analisar friamente a situação em contexto mais amplo. Mitificar o assunto ou restringir o debate aos fóruns sociais e deixar a gerência da sinfonia a cargos de ONG’s e pessoas sem o menor compromisso com a segurança alimentar da população, é, no mínimo, temerário e merece profundas reflexões; ademais, defender argumentos que não se sustentam ou impor teorias cegas, ao sabor do volume da voz, não é, definitivamente, o melhor caminho. O que deve predominar é a argumentação e a racionalidade da defesa dos pontos de vista, sem deixar, à margem do debate, o direito inalienável que sete bilhões de pessoas têm de se alimentar corretamente todos os dias. Propostas outras que não considerem tal aspecto não merecem ser minimamente levadas a sério ou mesmo postas na mesa.
O que mais surpreende nessa celeuma toda é o fato de aspectos de alta relevância para o bem-estar da sociedade, como um todo, ser simplesmente varrido para debaixo de tapete. Pontos cruciais que precisam ser respondidos com base em conhecimento científico sólido e que representa, em primeira e última instância, salvaguarda aos interesses de todos os cidadãos, não são sequer levantados nos debates. Reflexões como: o que aconteceria com a produção agrícola do mundo, em geral, e do Brasil, em particular, se hoje, exatamente hoje, o uso dos pesticidas fosse proibido? Quais seriam os impactos dessa medida nos custos dos produtos agrícolas? Haveria impacto de tal medida na desnutrição humana? Os maiores impactos dessa medida incidiriam mais sobre a população e países pobres ou ela teria distribuição igualitariamente, ou seja, todos, ricos e pobres, pagariam seu preço? O modo de vida que conhecemos nos dias atuais permaneceria intocável ou passaríamos a viver em condições com pouca dignidade? Com tal medida vigente, as políticas de segurança alimentar se sustentariam? A agricultura orgânica e a agroecologia seriam vias capazes de sustentar milhões de pessoas e produzir milhões de toneladas de alimentos necessários ao consumo, anualmente, da população? O que aconteceria com pragas que em passado não muito distante dizimaram lavouras e lavouras, como foi o caso do “gafanhoto da montanha”, considerada a maior praga que já acometeu a agricultura. Hoje esse inseto está sob controle, e confinado ao seu habitat natural, as montanhas dos Estados Unidos, mas e se os inseticidas que os mantém assim forem banidos? Tais pragas poderiam voltar a assolar nossos cultivos, gerando insegurança de toda ordem?
A Sociedade Brasileira da Ciência das Plantas Daninhas (SBCPD) é uma entidade que congrega cientistas de reconhecimento nacional e internacional, e que vê, com bons olhos, as atuais e futuras preocupações da sociedade com a segurança e qualidade dos alimentos de sua dieta e a preservação dos recursos naturais, mas reconhece, também, que nos últimos 40 anos, os defensivos agrícolas evoluíram tal qual a agricultura brasileira cresceu mais de 200% em sua produção. Hoje os produtos disponíveis aos produtores rurais em sua grande maioria apresentam soluções inovadoras, tais como: menor poder residual no ambiente; embalagens hidrossolúveis, melhoria na toxicidade, entre outros atributos que minimizam riscos ao meio ambiente e ao ser humano. Adicionalmente reconhece que os órgãos reguladores que gerenciam a liberação de novos produtos estão mais exigentes e com protocolos de avaliação mais rígidos; dessa forma os novos produtos lançados nos últimos anos estão amparados por legislações mais eficientes e mais rígidas, o que é um indicador claro do compromisso inabalável de todos os envolvidos nesse processo.
Avançamos, e muito, mas ainda temos um bom caminho pela frente. O atual momento atende a certas especificidades, mas não é o ideal e não devemos nos conformar com o que temos, podemos melhorar e devemos trabalhar nesse sentido, acreditar nessa possibilidade. A Sociedade Brasileira de Ciência das Plantas Daninhas confia na inteligência humana, na ciência e na capacidade de seus cientistas de gerar inovações tecnológicas que possam amenizar os conflitos entre os atuais modelos de produção agrícola e os interesses da sociedade; ao mesmo tempo abomina o discurso, carente do fôlego intelectual e que esconde intenções não confessáveis. A Sociedade Brasileira de Ciência das Plantas Daninhas não se coloca a serviços de interesses outros que não sejam os que emanam da sociedade e ratifica seu compromisso maior com a produção sustentável de proteínas, fibras e energia, tão essenciais ao desenvolvimento completo, física e intelectualmente, de cada ser humano. Caminhamos, todos nesse sentido. Dias melhores nos esperam. O Futuro dirá.
Antonio Pedro da Silva Souza Filho
Engenheiro Agrônomo, Doutor
Presidente da Sociedade Brasileira da Ciência das Plantas Daninhas