Por Lídia Cristina Jorge dos Santos, Advogada Especialista em Direito e Agronegócio e Conselheira do CCAS (Conselho Científico Agro Sustentável)
A Constituição Federal de 1988 estabelece em seu art. 66 que a Casa Legislativa na qual tenha sido concluída a votação de projeto de lei o enviará ao presidente da República, que poderá sancionar ou vetar o texto, total ou parcialmente, por inconstitucionalidade ou contrário ao interesse público.
Na mensagem nº 743, de 27 de dezembro de 2022, encaminhada ao presidente do Senado Federal, o Presidente da República despachou descrevendo as razões do veto 47/2023, com 17 dispositivos do Projeto de Lei 1459/2022, que dispõe sobre o novo marco regulatório dos pesticidas. Em linhas gerais, os vetos envolviam três pontos fundamentais: competências dos órgãos registrantes (MAPA ou IBAMA) para coordenar os processos de reanálise, analisar alterações pós registro e não paralisar a aprovação de produtos enquanto pendente o processo de reanálise; informações em embalagens; e cobrança de taxas.
Em suas razões, o Presidente da República sustentou que essas disposições seriam contrárias ao interesse público ou inconstitucionais.
Não obstante, foi rejeitado parcialmente o veto pelo Congresso Nacional, concedendo aos órgãos registrantes a competência para a coordenação dos processos de reanálise e a possibilidade de registro de produtos durante esse procedimento.
Hoje foram promulgados oito dos dispositivos vetados pelo Presidente da República. Esse é o cenário.
Na prática isso significa “Avanço”. Significa bom senso.
Quem atua na área e acompanha o tema das reavaliações sabe o quanto é difícil assegurar o cumprimento das garantias legais em processos onde as decisões devem ser tomadas por três órgãos da administração pública conjuntamente.
A Lei 7.802/89, atualmente revogada pela Lei 14.785 já determinava que o processo de reavaliação (ou seja, de reanálise dos produtos) deveria ser feito pelos três órgãos de maneira conjunta. Já era necessário que fosse feita uma avaliação dos impactos de uma decisão regulatória de retirada de produtos do mercado.
Contudo, na prática o que se via era:
• Ausência de Procedimento Padrão: A falta de um procedimento padrão adotado conjuntamente pelos órgãos federais competentes (ANVISA, IBAMA e MAPA) para o início, condução e execução das medidas deliberadas na conclusão dos procedimentos de reavaliação.
• Interferência na Competência: Há interferência na competência legalmente estabelecida para o Ministério da Agricultura aplicar as medidas de gerenciamento de riscos identificados no processo de reavaliação.
• Restrições Divergentes: Restrições diferentes aplicadas aos produtos já registrados e a pleitos de registro em avaliação, na conclusão do procedimento de reavaliação, ferindo o princípio da isonomia.
• Ausência de Avaliação de Impacto Regulatório
• Interrupções nos Procedimentos de Avaliação: Interrupções nos procedimentos de avaliação de pleitos de registro e pós-registros durante o curso do procedimento de reavaliação, criando insegurança nos negócios e reserva de mercado; e
• Falta de Plano de Substituição de Moléculas: Inexistência de um plano para substituição de moléculas, reduzindo as alternativas de controle de pragas e doenças e o manejo da resistência.
Esses pontos causam uma enorme insegurança jurídica aos produtores rurais, empresas fornecedoras dos insumos, desestimulando o ambiente de negócios e investimentos no Brasil.
É nesse sentido que a rejeição aos vetos que tratavam sobre as atribuições dos órgãos registrantes no processo de reanálise representa avanço e bom senso.
Eleger um coordenador para o processo não significa que não haverá a participação dos demais órgãos. Significa, apenas, que haverá coordenação para que haja uma decisão consensuada sobre o destino de uma tecnologia usada há muitos anos pelos produtores rurais.
Já vimos que a falta de organização no processo de reanálise retirou do mercado importantes produtos para a nossa agricultura, como o paraquate e o carbendazim. Além disso, trouxe restrições de uso para produtos à base do Imidacloprido, só para produtos registrados após a conclusão do IBAMA.
Essa situação não pode continuar em uma agricultura séria e competitiva como a do Brasil.
Permitir o registro de produtos que estão em reanálise não é nenhum bicho de sete cabeças. Basta compreender que os produtos em reanálise já estão no mercado e são comercializados normalmente até a conclusão do processo, afinal, já foram avaliados. Impedir o registro de produtos, na verdade, cria uma reserva de mercado.
O tema dos agrotóxicos no Brasil sempre enfrentou dificuldades e interferências. Isso não é novidade. Seja de ordem moral, financeira ou política, esses desafios sempre estiveram presentes. O consenso ainda está distante, e os debates permanecem acalorados. É realmente difícil tomar uma posição definitiva, pois há um longo caminho a percorrer.
Sem dúvida, em muitos casos, o veto presidencial evidencia a falta de congruência entre o Executivo e o Legislativo. No caso da Lei 14.785/23, isso, mais uma vez, fica claro. A única certeza é que mesmo com tudo isso, o Agro vai bem obrigada!