Pelo senso comum, as meloponíneas, chamadas de abelhas sem ferrão, ou ASF, são inofensivas, incapazes de se defender. Afinal, não ferroam... Ledo engano. Um estudo de universidades paulistas mostrou o oposto. Uma das defesas é “morder” o intruso, prendendo-se a ele, e o indivíduo até morre para proteger a colônia. Na espécie Trigona hyalinata, conhecida como guaxupé, as operárias chegam ao extremo de ter a cabeça separada do corpo, por não soltar a mandíbula, matando ou afugentando o predador ou saqueador. Morre mas salva seus ninhos-colônias, onde estão o estoque de comida (mel e pólen) e a rainha, que coloca os ovos para manter a colônia e as larvas que vão perpetuar a espécie.
Um estudo realizado por pesquisadores da University of Sussex, do Reino Unido, em colaboração com colegas da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) e da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) – ambas da Universidade de São Paulo (USP) –, revelou que, apesar de serem incapazes de ferroar como as abelhas da espécie Apis mellifera (a abelha africanizada) por terem o ferrão atrofiado, as abelhas sem ferrão apresentam diferentes mecanismos de defesa (http://bitly.ws/smu9).
A mordida delas dói menos que a ferroada de uma abelha africanizada, mas pode ser suficiente para defender a colônia, afastando o agressor. Os próprios pesquisadores se transformaram em cobaias, para medir o nível de dor causado pelo ataque de cada espécie de abelha sem ferrão. Para tanto, colocaram seu próprio braço na entrada da colônia, provocando as abelhas, como se fossem um agressor. Classificaram a dor que sentiram entre 0 (pequena beliscada) e 5, uma mordida que causa uma dor desagradável, capaz de romper a pele se for persistente.
Os pesquisadores observaram que a mordida das abelhas do gênero Trigona é mais dolorida do que as outras espécies de abelhas sem ferrão. Observando na lupa, verificaram que elas possuem mandíbulas serrilhadas, parecendo possuir cinco “dentes” afiados.
Os pesquisadores resolveram testar a persistência das abelhas em defender sua colônia, cujo limite é o suicídio. Colocaram uma bandeira tremulando na entrada da colônia, aparentando um agressor. As abelhas “morderam” a bandeira, prendendo-se a ela. Então, tiveram suas asas puxadas com pinças, para ver se largavam o agressor, ou se preferiam ficar sem as asas – uma condenação à morte. As operárias de seis espécies de abelhas sem ferrão mais agressivas demostraram disposição de sofrer danos fatais e morrer, mas não soltavam a bandeira.
Já sabemos que as abelhas africanizadas utilizam seu ferrão, injetando uma toxina nos agressores, afastando-os e, em alguns casos, podendo mata-los. Na natureza, as abelhas escolhem locais bem protegidos, dentro de ocos de árvores grossas, numa cavidade entre pedras, ou no alto de árvores, dificultando o acesso de predadores naturais como forídeos, formigas, lagartos, aranhas, pássaros, sapos, entre outros.
Se o perigo for muito grande, as abelhas que percebem o risco – normalmente as guardiãs ou soldados – liberam substâncias voláteis, que alertam todos os demais membros da colônia. Esse alerta ajuda a formar um grande “exército”, que se une para combater o invasor. Algumas espécies, como a jataí (Tetragonisca angustula) possuem uma guarda reforçada perto do ninho, o que inclui uma “força aérea” de guardiãs que sobrevoam permanentemente a entrada do mesmo, para detectar qualquer perigo á colônia.
Há espécies de abelhas que, à noite, fecham a entrada do ninho com uma espécie de tela, que permite o ingresso de ar, mas impede a entrada de predadores. A teia é construída com cerume, que é uma substância formada pela mistura de cera e resina, que foram coletadas de plantas.
As abelhas vedam frestas no ninho com própolis, o que evita a entrada de predadores ou de microrganismos, como fungos ou bactérias. Algumas espécies de abelhas sem ferrão se defendem de invasores grudando bolinhas de própolis, em uma forma bem pegajosa, limitando os movimentos e podendo levar os agressores à morte.
Algumas espécies de abelhas sem ferrão possuem comportamento tímido e se escondem ao perceberem movimentação perto do ninho. O objetivo é dificultar ao agressor a localização do ninho. Já outras espécies se defendem atacando os invasores. Voam ao seu redor, enrolam-se nos pelos e cabelos, mordiscando com suas mandíbulas. Espécies de abelhas do gênero Oxytrigona, produzem uma substância cáustica nas glândulas mandibulares, que causam dor em contato com a superfície do corpo, podendo ocasionar queimaduras.
O comportamento defensivo das abelhas sem ferrão mostra o quanto nós, humanos, temos a aprender com insetos sociais. Eles colocam sua comunidade acima do indivíduo, e sacrificam a própria vida para defender o coletivo.