O Brasil tem um sistema de vigilância sanitária composto por 110 pontos de controle, com mais da metade deles localizados no Sul/Sudeste. Uma distribuição que lembra mais nossa geografia agrícola das décadas 1970/1990 do que o mapa produtivo atual, cujo motor principal está no Centro-Oeste, com 60% da produção nacional de grãos.
Esse quadro foi objeto de estudo da Embrapa Gestão Territorial¹, no qual, a partir de dados da ANDEF, Embrapa e MAPA², informa-se a existência de mais de 600 pragas quarentenárias e inúmeras rotas potenciais para seu acesso ao nosso território. São espécies que ainda não estão no país, ou ocorrem em regiões delimitadas, com potencial para causar estragos em nossa agricultura.
Parte dessas vias de entrada conta com estrutura de vigilância sanitária limitada. Regiões como a divisa do MT com a Bolívia, divisa do MS com Bolívia-Paraguai, Centro-Sul do Pará e Oeste da Bahia, por exemplo. Esta última, aliás, não tem nenhum posto de controle¹ e foi a porta de entrada da helicoverpa, que provocou prejuízos da ordem de quatro bilhões de dólares na safra 2012/13.
Hoje são apontadas 10 pragas quarentenárias que oferecem grande risco para a soja, milho, trigo, algodão, cacau, arroz e feijão, por estarem em países vizinhos ou com os quais mantemos relações comerciais. Na verdade, já foram identificadas cerca de 150 espécies quarentenárias com ocorrência em pelo menos um país da América do Sul, e que podem entrar no Brasil.
Nessa guerra, tem que vigiar tudo como portos, aeroportos, hidrovias e intersecções de rodovias federais e estaduais, em nossas fronteiras, ou no interior do território³. E ainda assim podem ter brechas, pois a ciência já mostrou que o acesso de pragas pode se dar por via aérea, como que surfando as correntes de ar. A entrada da striga do milho e da ferrugem do trigo foram exemplos desse tipo de transmissão.
Hoje o Brasil reúne conhecimentos para avançar em cobertura eficiente, precisão e efetividade da vigilância sanitária. Tem informação de qualidade sobre características das espécies, métodos de manejo, focos e meios de propagação. Talvez, esteja faltando uma pitada de antevisão, planejamento e mobilização de recursos.
Além disso, bem que se podia pensar em sistemas de controle emergencial, para conter eventuais invasões que rompam nossas defesas. Como se faz nos manuais de estratégia militar, para recompor linhas de defesa territorial. Nada improvisado, tudo previsto e desenhado com atribuições e procedimentos.
Temos um exército oculto com disciplina de combate e capacidade de mobilização. São as cooperativas, associações e sindicatos de produtores, prefeituras e universidades. É uma força de reserva capacitada e interessada no assunto e acho que não ia negar fogo para um trabalho integrado e articulado com a autoridade sanitária.
Depois da globalização, reduzir riscos sanitários é agenda estratégica para qualquer agronegócio realmente competitivo. O trabalho da vigilância sanitária brasileira, ao longo do tempo fez história. Mas, hoje, talvez nem tudo esteja 100% e não é hora de se dar sorte para o azar.
(1) Embrapa Gestão Territorial, 2014: “Priorização de locais para implantação ou intensificação da vigilância fitossanitária no Brasil”; e “Distribuição da produção agrícola e vias de acesso de pragas quarentenárias no Brasil”. Disponíveis em: www.embrapa.br/gestao-territorial/publicacoes
(2) Pragas 'importadas' ameaçam lavouras. Folha de São Paulo, Caderno Mercado, 21 de julho 2013. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2013/07/1314258-pragas-importadas-ameacam-lavouras.shtml
(3) O risco sanitário cresce com a internacionalização do agronegócio e o aumento da mobilidade de pessoas, animais e mercadorias, que são os principais modos de invasão das pragas, doenças, plantas daninhas e parasitas.