Por Ciro A. Rosolem
Professor Titular da FCA/UNESP/Botucatu
Membro do CCAS – Conselho Científico para Agricultura Sustentável
O que temas aparentemente tão diferentes como aquecimento global e produção de alimentos podem ter em comum? Há algo que possa ser feito que resulte em melhorias nesses dois aspectos? Sugiro pensarmos em como a agricultura – uma das atividades econômicas mais importantes no Brasil – pode e deve contribuir para a solução desses dois problemas.
Segurança alimentar, mais do que socorro emergencial às populações com deficiência nutricional, implica em se praticar uma agricultura que seja, ao mesmo tempo, econômica, competitiva e sustentável. Econômica porque é necessário assegurar renda aos que a praticam. Competitiva porque há que se produzir alimentos cada vez mais baratos, mais acessíveis às camadas mais carentes da população e, além disso, produzir os dólares imprescindíveis à economia brasileira. Sustentável porque é fundamental que se pratique agricultura indefinidamente na mesma área, evitando o desmatamento desnecessário. E somente se consegue isso praticando uma agricultura que não cause danos permanentes ao ambiente. De acordo com estimativas da FAO, nos próximos 20 anos será necessário dobrar a atual produção de alimentos, além da necessidade de se produzir agroenergia. Essa meta somente pode ser atingida por dois caminhos: aumentar a área cultivada ou aumentar a produtividade das terras já em cultivo. O aumento da área cultivada é praticamente impossível na maior parte do mundo, principalmente na Ásia, área mais populosa do planeta, pois todas as regiões agricultáveis já estão em uso. Pior, boa parte delas se encontra em risco de degradação. O Brasil é um dos poucos países do mundo onde existe área a ser ocupada, com regime de chuvas e temperaturas adequadas à agricultura. Mas o aumento da área cultivada implicaria em desmatamento, uma vez que a agricultura ocuparia terras atualmente sob vegetação natural, o que, certamente, encontra restrições nos anseios dos ambientalistas. O segundo caminho é o aumento da produtividade, através do uso de variedades geneticamente melhoradas, mais produtivas e através do melhor manejo do solo e dos cultivos, o que tornaria a agricultura competitiva, sustentável e econômica, ajudando a se satisfazer a crescente demanda por alimentos, tanto em quantidade como em qualidade, a demanda por matérias primas e por agroenergia.
O aquecimento global tem como uma de suas causas a emissão atmosférica de gases, entre eles o CO2. A principal emissão desse gás vem da queima de combustíveis fósseis, como o petróleo e o carvão, nos países mais desenvolvidos, mas a queima de vegetação e a agricultura tradicional também contribuem para o problema. Entretanto, o manejo do solo sem aração, sem revolvimento, ou seja, o sistema de manejo conhecido como semeadura direta fixa o carbono atmosférico na matéria orgânica do solo, pelo menos temporariamente. Estima-se que um hectare (área correspondente a um campo de futebol) pode fixar em torno de 1 tonelada de carbono por ano na região sul do Brasil, se o solo for bem manejado, se for praticada uma agricultura moderna, econômica, competitiva e sustentável. Sim, porque o aumento da matéria orgânica do solo melhora suas propriedades, conservando melhor a água e os nutrientes. Não é uma boa idéia transformar o carbono, que aqueceria o ambiente, em alimentos, matérias primas e energia, contribuindo para a segurança alimentar, para a resolução do problema da fome e de energia do planeta Terra?
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