Resposta: Pode ser por aumento de área, diminuição das perdas e desperdícios e aumento da produtividade. E vamos conseguir.
Aumentar a área apresenta limitações intransponíveis. Hoje são cultivados 1,8 bilhão de hectares no mundo. Até haveria mais para cultivar. Mas a sociedade global não vai permitir pois, em termos globais, já avançamos além da capacidade de suporte do planeta. O Brasil, que cultiva apenas 7,6% de seu território (contra 55% dos europeus ou mais de 60% da Índia), também terá que pôr o pé no freio. Concedo que poderão ser incorporados uns200 Mha, pouco mais, em todo o mundo. Et c’est fini!
Estudos apontam para perdas e desperdícios superiores a 30%, da semeadura à mesa. Precisamos cortar este número pela metade ou mais. Diminuição de perdas significa melhorar muito o manejo dos solos, das culturas, das colheitas e do pós colheita. Não perder mais solo por erosão pois, junto com o solo, lá se vão a matéria orgânica e os nutrientes.
Também não serão admissíveis perdas por secas ou inundações. Já dispomos de muita tecnologia para mitigar as secas, especialmente com o uso do plantio direto e com a melhoria do perfil do solo, de maneira que fique mais poroso, arejado, absorvendo e retendo mais água. A palhada na superfície evita a evaporação desnecessária.
Dispomos de irrigação para as regiões mais vulneráveis e, brevemente, também teremos variedades tolerantes à seca, com produtividade adequada. Para completar, não podemos ter perdas na colheita. Quem fez tudo certo até a undécima hora, não pode perder parte da sua safra na hora de retirá-la do campo. Assim como não pode perder na armazenagem ou no transporte.
Os desperdícios também ocorrem ao longo da cadeia de valor. É uma decorrência de certificações excessivamente severas, consumidores que não aceitam uma única pinta na fruta ou furo na alface, armazenagem de frio inapropriada, baixo tempo de prateleira e, não menos importante, o desperdício no preparo e no consumo dos alimentos, aquela sobra de comida que vai para o lixo. Tudo isso terá que ser combatido e minimizado.
Para a maioria das culturas já se dispõe de tecnologia para mais do que dobrar a produtividade atual. Não se espera uma revolução, mas um processo gradativo. Mesmo considerando as limitações ambientais, é factível aumentar a produtividade em, no mínimo, 1% ao ano. Em 30 anos produziremos um terço a mais, na mesma área. A conta começa a fechar!
Mas, a pesquisa agronômica está longe de esgotar as possibilidades. Além das tecnologias já disponíveis, ainda há muito para avançar. Analisemos, especificamente, o caso da melhoria do potencial genético dos cultivos, com abordagens não tradicionais, que tanto podem vir por engenharia genética clássica quanto pelas novas ferramentas, como a edição gênica.
Vamos a um exemplo. Lembremo-nos que as plantas usam a luz visível para obter energia e realizar a fotossíntese. A luz visível situa-se entre os comprimentos de onda de 400 e 700 nm, embora existam picos de radiação fotossinteticamente ativa dentro deste espectro. Quem gosta de mergulhar já observou que, no fundo dos rios, onde a luz visível quase não chega, existem vegetais que se desenvolvem muito bem, efetuando fotossíntese. Tal e qual o fazem seus similares que recebem diretamente a radiação solar.
Aí os cientistas se questionaram: e se fosse possível ampliar a faixa de aproveitamento da radiação, melhorando a fotossíntese em condições de luminosidade adversa também nos cultivos?
O questionamento levou aos estudos da equipe do professor Dennis Nürnberg, mostrando que as cianobactérias efetuam fotossíntese utilizando radiação infravermelha, com comprimento de onda que inicia no final do espectro da luz visível (700 nm) estendendo-se até 3 mm. Quando a luz visível é muito fraca, entra em ação a “clorofila f”, presente nas cianobactérias, e que possui a capacidade de absorver a radiação nesta faixa de comprimento de onda. A quem se interessar, o artigo se encontra em http://bitly.ws/uiZ4.
Para vislumbrar o efeito prático do estudo, imagine uma planta de soja, que pode ter dez nós no caule, com uma folha trifoliolada presente em cada nó. Quando a planta é nova, com cerca de cinco nós, todas as folhas estão diretamente expostas à luz visível, em condições de absorver a radiação, por meio dos tipos convencionais de clorofila a e b.
Até aí, tudo bem. Entretanto, quando a planta atinge determinada altura – os tais dez nós - as folhas superiores sombreiam as inferiores. Dessa forma, a contribuição das folhas sombreadas para a formação de reservas de fotossintatos – que formarão o futuro grão de soja – é reduzida, podendo até ser negativa, ou seja, a folha fornece menos reservas do que necessita para sobreviver. Assim, quando as folhas não são mais úteis à planta, acabam por fenecer e desprender-se da mesma.
Ocorre que a radiação infravermelha, ao contrário da luz visível, possui capacidade de penetrar no interior da massa de folhas das plantas de um cultivo, porém não é aproveitada para fotossíntese, por estar fora da faixa de absorção dos tipos de clorofila atualmente encontrados nas plantas superiores- os tipos a e b. Mas, e se os cientistas inserirem no genoma das plantas cultivadas os genes responsáveis pela síntese de clorofila f?
Então, abre-se uma nova perspectiva de aumentar a contribuição fotossintética das folhas que deixam de receber a luz visível, mas recebem a radiação infravermelha. Essa possibilidade parece futurística, porém lembremo-nos da velocidade com que a Ciência avança no século XXI. E não é a única, uma vez que os cientistas já identificaram diversos caminhos que podem aumentar a eficiência fotossintética das plantas, logo, a produtividade dos cultivos. Por essas razões tenho confiança que, a depender da Ciência e dos agricultores, não faltará alimento em 2050. E será por incremento da produtividade.
O Brasil reúne as principais vantagens comparativas para ser o grande protagonista do mercado internacional de produtos agrícolas, nas próximas décadas. Para tanto, precisa transformar suas vantagens comparativas em efetiva competividade.
Uma vantagem competitiva é dispor de tecnologia agrícola própria, de última geração, desenvolvida aqui, em nosso país. Para tanto, necessitamos investir de forma intensa e continuada nos talentos científicos que existem em nossos institutos e universidades, para que desenvolvam inovações que garantam nossa competitividade no mercado agrícola mundial. Antes que outro país o faça e nós deixemos escorregar a oportunidade entre nossos dedos.