Você é contra ou a favor do projeto de lei que altera as regras de registro dos agrotóxicos no Brasil? Por si só, antes de entrar no mérito da proposta, a pergunta coloca em lados opostos diferentes visões em torno de um tema naturalmente controverso. Nas últimas semanas, o assunto acirrou os ânimos entre ruralistas e ambientalistas – suscitando também manifestações de famosos.
Nesta terça-feira (29), o texto voltará a ser discutido em comissão especial da Câmara dos Deputados, etapa que antecede a votação em plenário. Pela repercussão até agora, com a votação adiada por três vezes, o debate parece estar longe do fim – ampliando a oportunidade da população de conhecer e opinar sobre a iniciativa que busca reduzir o tempo de registro de produtos químicos para a agricultura.
– Estamos falando de algo sério. Tem muita informação rolando, gente se posicionando contra e a favor sem nem ter lido o projeto. Esse é o momento oportuno para se fazer um debate qualificado – diz José Otávio Menten, professor da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (Esalq/USP) e presidente do Conselho Científico Agro Sustentável (CCAS).
A dificuldade em acompanhar as propostas de mudanças é justificada pelo caminho percorrido pelo projeto até agora. O texto original é de 2002, de autoria do atual ministro da Agricultura, Blairo Maggi, na época senador. De lá para cá, outros 29 projetos sobre registro, comercialização e fiscalização de agrotóxicos foram protocolados.
Relator da comissão especial que trata do tema na Câmara, o deputado Luiz Nishimori (PR-PR) levou em consideração 13 proposições para elaborar um compilado que resultou em um substitutivo ao PL 6299/2002, de Maggi – que seguirá tramitando por ser o mais antigo. Em suma, as mudanças buscam acelerar o processo de registro que atualmente pode levar de cinco a oito anos no Brasil.
– A legislação brasileira que trata do tema é de 1989, a biotecnologia evoluiu muito desde então. Estamos buscando uma proposta que contemple consumidores e produtores, mas sabemos que não é fácil chegar nesse consenso – diz Nishimori.
Para facilitar a aprovação do PL, principalmente em plenário, já que na comissão especial a bancada ruralista tem maioria, o parlamentar admite recuar em pelo menos dois pontos: a alteração do termo "agrotóxicos" para "produto fitossanitário" e a criação de registro temporário após 12 meses de pedido sem análise – uma das mudanças mais polêmicas e criticadas por ambientalistas e órgãos públicos.
– Não se pode tentar acelerar o processo dessa maneira, correndo o sério risco de colocar no mercado substâncias que representem danos à saúde da população e ao ambiente – critica o procurador da República Rodrigo Valdez de Oliveira, coordenador do Fórum Gaúcho de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos, formado por 65 instituições públicas e privadas.
Anvisa e Ibama alegam perda de autonomia
As mudanças propostas são contestadas também pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), que alegam perder autonomia no processo de análise.
Autor de um dos projetos que embasaram o substitutivo em análise na comissão, o deputado Covatti Filho (PP-RS) justifica que se inspirou em legislações de Estados Unidos, Canadá e Austrália _ países onde o tempo de espera para registro de um novo produto é de aproximadamete três anos.
– Existe o consenso claro de que não podemos abrir mão do rigor científico – diz Mário Von Zuben, diretor-executivo da Associação Nacional de Defesa Vegetal (Andef), que representa as indústrias químicas.
A forma mais eficiente de dar celeridade ao processo de análise, alegam entidades contrárias ao projeto, é ampliar e qualificar a estrutura dos três órgãos reguladores hoje: Anvisa, Ibama e Ministério da Agricultura.
Como é hoje
Três órgãos regulatórios são responsáveis pela análise de novos registros: Anvisa, Ibama e Ministério da Agricultura. A Anvisa faz a avaliação toxicológica à saúde humana, o Ibama trata dos riscos ambientais e o Ministério da Agricultura analisa a eficiência agronômica do produto. Cada órgão tem a sua própria tramitação.
Como pode ficar
O projeto de lei prevê a centralização do pedido de registro de novos produtos no Ministério da Agricultura. A Anvisa continuará fazendo a avaliação toxicológica e o Ibama a ambiental, porém o poder decisório do registro ficará com a Agricultura.
Quem defende
É necessário maior integração entre os órgãos regulatórios, cabendo ao Ministério da Agricultura o papel de definição das prioridades. O entendimento é de que o processo respeitará as competências e pareceres técnicos de cada órgão.
Quem critica
A mudança delegará ao Ministério da Agricultura competências da saúde e do ambiente. O risco, segundo a Anvisa, o Ibama e o Ministério Público Federal, é da prevalência do interesse econômico sobre aspectos técnicos.
Como é hoje
A Lei 7.802, de 11 de julho de 1989, trata os produtos químicos voltados à agricultura como agrotóxicos.
Como pode ficar
A nova redação propõe a alteração do termo "agrotóxico" para "produto fitossanitário".
Quem defende
O termo, usado somente no Brasil, ganhou conotação depreciativa junto à opinião pública. O nome adotado mundialmente é pesticida. Nos países de origem latina, como os do Mercosul, a denominação mais apropriada é de produto fitossanitário, frequentemente citado em livros técnicos e científicos de agricultura.
Quem critica
A mudança do nome é uma tentativa de desvincular o termo tóxico de um produto que apresenta toxicidade. O uso do termo é necessário para que os produtores reconheçam o perigo que eles apresentam e tenham maior cuidado na utilização e também para que a população identifique a presença nos alimentos.
Como é hoje
Não é possível obter registro temporário de um novo produto. A autorização para comercialização só é concedida quando o pedido passa por todos os trâmites necessários nos três órgãos reguladores: Anvisa, Ibama e Ministério da Agricultura. O tempo de análise varia, em média, de cinco anos a oito anos.
Como pode ficar
O projeto de lei prevê a concessão de registro provisório caso não haja análise do pedido no prazo de 12 meses. Para isso, o novo produto precisa ter sido autorizado em três países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
Quem defende
A medida reduzirá a morosidade dos registros, fazendo com que tecnologias cheguem ao mercado a tempo de beneficiar a agricultura. Alguns produtos demoram tanto a serem liberados que, quando são, já estão obsoletos.
Quem critica
A concessão de registro temporário é temerária, já que o Brasil estaria se valendo de critérios estabelecidos em outros países. Os órgãos brasileiros não podem perder a independência de avaliar os registros de novos produtos.
Como é hoje
O Brasil realiza as avaliações de novos registros de produtos químicos em razão do perigo, proibindo substâncias que tenham características teratogênicas, carcinogênicas ou mutagênicas. A avaliação leva em conta o princípio ativo da molécula.
Como pode ficar
O projeto de lei prevê a inclusão da avaliação dos riscos, em complemento à análise de perigo. Isso significa não considerar só o princípio da molécula, mas também a exposição. Essas substâncias devem ser analisadas caso a caso, sendo negadas as de risco inaceitável para saúde ou ambiente.
Quem defende
A incorporação da análise de risco nos procedimentos de avaliação representa atualização com os tratados e acordos internacionais, incorporando critérios reconhecidos globalmente.
Quem critica
O projeto de lei abre espaço para a utilização de substâncias nocivas à saúde e ao ambiente, atualmente proibidos pela legislação, mediante a introdução do perigoso e subjetivo conceito de "risco inaceitável".
Como é hoje
Não há prazo para reavaliação de produtos registrados no Brasil.
Como pode ficar
Pela proposta, a reanálise dos riscos poderá ser provocada quando organizações internacionais, das quais o Brasil seja membro ou signatário de acordos e convênios, alertarem para riscos ou desaconselharem o uso.
Quem defende
Os critérios para reanálise de registros são defasados na legislação atual. A mudança é necessária para atualizar os procedimentos de reavaliação dos registros, que se têm revelado onerosos e demorados em razão da burocracia e da falta de investimentos em pesquisa científica e de estrutura para atender agentes envolvidos no setor.
Quem critica
O processo de reavaliação do registro de determinado produto por riscos à saúde e ao ambiente não poderá ser desencadeado a partir de pesquisas e alertas brasileiros. Além disso, deveria ser estabelecido prazo máximo para reanálise, como no Japão, onde os registros são reavaliados a cada três anos.