Primeiro foi a carne artificial, produzida em laboratórios. Depois a impressora 3D, que imprime carne. Agora desponta a produção de alimentos com uso da fotossíntese artificial. A bem da verdade, pesquisas na área não são novidade. Lembro-me de haver coordenado um simpósio entre cientistas do Brasil e da Finlândia, há mais de uma década, onde uma das propostas era justamente o estudo de fotossíntese artificial.
A fotossíntese é que permite a vida na Terra como ela é. Evoluiu por milhões de anos, transformando água, dióxido de carbono e energia solar em biomassa. Apesar disso, é um processo ineficiente, pois cerca de 1% da energia incidente é efetivamente acumulada nos fotoassimilados. Esforços para aumentar a eficiência fotossintética dos vegetais não têm resultado em ganhos apreciáveis, o que limita esta abordagem.
A fotossíntese artificial é um processo químico que reproduz o processo natural para converter luz solar, água e dióxido de carbono em carboidratos e oxigênio. O termo é usado para se referir a qualquer esquema para capturar e armazenar a energia da luz solar em substâncias químicas. Como exemplos, podem ser mencionados a separação fotocatalítica da água, que a converte em hidrogênio e oxigênio, assim como a redução de dióxido de carbono impulsionada pela luz.
Energia limpa
As pesquisas incluem dispositivos para a produção direta de combustíveis solares, fotoeletroquímica e sua aplicação em células de combustível e a engenharia de enzimas e microrganismos fotoautotróficos para obtenção de biocombustível, a partir da luz solar.
A reação fotossintética pode ser dividida em duas fases: oxidação e redução. Na fotossíntese das plantas, as moléculas de água são foto-oxidadas para liberar oxigênio e prótons. A segunda fase da fotossíntese vegetal (ciclo de Calvin-Benson) é uma reação independente de luz, que converte o dióxido de carbono em glicose.
Pesquisadores de fotossíntese artificial estão desenvolvendo fotocatalisadores capazes de realizar essas duas reações. Além disso, os prótons resultantes da separação da água podem ser usados para a produção de hidrogênio. Esses catalisadores propiciam reações rápidas, que absorvem uma grande porcentagem dos fótons solares incidentes
A produção de biocombustíveis a partir de biomassa possui baixa eficiência de conversão de energia, custo de colheita e transporte do combustível, e potenciais conflitos com a produção de alimentos. Com o desenvolvimento de catalisadores capazes de reproduzir as principais partes da fotossíntese, a água e a luz solar seriam as únicas fontes necessárias para a produção de energia limpa, mais barata que o petróleo, tendo como único subproduto o oxigênio,
Alimentos
Cientistas da Universidade da Califórnia e da Universidade de Delaware descobriram uma maneira de contornar completamente a necessidade de fotossíntese biológica e criar alimentos independentes da luz solar, usando a fotossíntese artificial (bitly.ws/w7ms). Cientistas chineses, da Universidade de Tianjin, também publicaram um processo bem-sucedido, utilizando uma combinação biológica e eletroquímica (bitly.ws/w7mA).
A tecnologia desenvolvida nos EUA usa um processo eletrocatalítico de duas etapas para converter dióxido de carbono, eletricidade e água em acetatos. Os organismos produtores de alimentos consomem acetato no escuro para crescer. O sistema híbrido orgânico-inorgânico poderia aumentar a eficiência de conversão da luz solar em alimentos. Combinado com painéis solares para gerar energia para alimentar a eletrocatálise, o sistema permite aumentar a eficiência de conversão da luz solar em até 18 vezes, se comparada com a fotossíntese natural.
Os eletrolisadores são dispositivos que usam eletricidade para converter matérias-primas como dióxido de carbono em moléculas e produtos úteis. A fim de integrar todos os componentes do sistema juntos, a saída do eletrolisador foi otimizada para suportar o crescimento de organismos produtores de alimentos.
Desenvolvido o sistema conceitual, foram conduzidos experimentos que demonstraram que uma ampla gama de organismos produtores de alimentos pode ser cultivada no escuro diretamente na saída do eletrolisador, utilizando o acetato produzido no sistema. Os organismos incluem algas verdes, leveduras e cogumelos. A produção de algas com esta tecnologia é aproximadamente quatro vezes mais eficiente em termos energéticos do que utilizando a fotossíntese. Já a produção de levedura é cerca de 18 vezes mais eficiente, em termos energéticos, comparativamente à produção usando dextrose de milho.
Os organismos acima podem produzir elementos nutricionais básicos, como aminoácidos ou carboidratos de baixo peso molecular, que são transformados em alimentos por processos industriais. Outros vegetais, como feijão caupi, tomate, tabaco, arroz, canola e ervilha verde foram capazes de utilizar o carbono do acetato, quando cultivados no escuro, para o seu desenvolvimento.
Ao libertar a agricultura da dependência total do sol, a fotossíntese artificial abre as portas para inúmeras possibilidades de cultivo de alimentos nas condições cada vez mais difíceis impostas pelas mudanças climáticas antropogênicas. Secas, inundações e disponibilidade de terra reduzida seriam uma ameaça menor à segurança alimentar global se os cultivos crescessem em ambientes controlados, e com menos recursos. Plantas também podem ser cultivadas em locais e áreas atualmente inadequadas para a agricultura, e até fornecer alimentos para futuros exploradores espaciais.
O uso de abordagens de fotossíntese artificial para produzir alimentos pode ser uma mudança de paradigma na forma como alimentamos as pessoas. Ao aumentar a eficiência da produção de alimentos, menos terra é necessária, diminuindo o impacto que a agricultura tem no meio ambiente.
Particularmente entendo que a maior contribuição da fotossíntese artificial será na produção de energia limpa; porém, nas próximas décadas, vislumbro que cada vez mais alimentos serão produzidos através dessa via.