No dia 2/2/2023 a Comissão Executiva da União Europeia aprovou a redução dos limites máximos de resíduos dos inseticidas neonicotinoides tiametoxam e clotianidina em produtos agrícolas. O novo limite foi definido como sendo “... o mais baixo que possa ser medido com a mais recente tecnologia disponível” (bitly.ws/AbM8). A justificativa é o impacto adverso desses produtos sobre abelhas, tanto com efeitos subletais, quanto por mortalidade de colônias. Esses produtos já haviam sofrido severas restrições de uso na agricultura da União Europeia e, com a nova decisão, a importação de produtos agrícolas de outros países também será afetada. O que inclui o Brasil.
Os novos limites aplicam-se, inicialmente, ao comércio de produtos agrícolas na União Europeia, abrangendo a produção local. Para produtos importados (fibras, alimentos e ração animal), esses limites terão vigência a partir de 2026. O prazo de carência de três anos permitirá que os países que exportam para a Europa adequem suas medidas fitossanitárias à nova legislação europeia (bitly.ws/AkX7).
Anteriormente à II Guerra Mundial, os inseticidas mais utilizados no mundo provinham de extratos de plantas, como a nicotina, a piretrina, a rotenona, a sabadilla e a rianodina. No extrato das folhas de tabaco, ainda usados por alguns agricultores (especialmente orgânicos), são encontrados diversos alcaloides. Além da nicotina, existem a nornicotina, a anabasina e a anatabina, com os dois primeiros apresentando efeito inseticida sobre inúmeros insetos. A ação inseticida desses compostos é devido à sua atividade como neurotransmissores, substituindo a acetilcolina, que atua na comunicação entre neurônios, interagindo com os receptores nicotínicos (nAChRs).
Os neonicotinoides estão relacionados à nicotina, assim como os piretroides estão para as piretrinas, buscando características de menor toxicidade e maior estabilidade. Do ponto de vista toxicológico, o objetivo de seu desenvolvimento foi a obtenção de maior seletividade como agonistas dos receptores nicotínicos da acetilcolina, resultando em toxicidade mais baixa para os mamíferos.
Os dados toxicológicos confirmam o exposto. A nicotina é considerada uma substância altamente tóxica para animais de sangue quente, com DL50 oral de 50mg/kg de peso corporal (p.c.) e dermal de 140mg/kg p.c. Os neonicotinoides – como é possível depreender do seu nome – foram inspirados na molécula de nicotina, buscando produtos menos tóxicos para animais de sangue quente, preservando seu efeito inseticida. No caso do tiametoxam, formulado a 75%, a DL50 oral ou dermal em ratos é superior a 5.000 mg/kg p.c. Para a clotianidina, a DL50 oral em ratos situa-se entre 500 a 1.000 mg/kg p.c., sendo a DL50 dermal maior que 4.000 mg/kg p.c., para o produto formulado a 60%. Lembrando que, quanto mais alta a DL50, tanto menor é a toxicidade.
Os neonicotinoides são, atualmente, o grupo de inseticidas mais utilizado no mundo, por seu amplo espectro de ação sobre inúmeras pragas de diferentes cultivos. No Brasil são muito utilizados em diversas culturas, com destaque para a soja.
As restrições que têm sido aplicadas ao uso de neonicotinoides, pela União Europeia, não se restringem ao fato de prejudicaar abelhas. Também tem sido considerada a diminuição da produção agrícola, e o impacto sobre a vegetação nativa, pela redução do serviço ecossistêmico de polinização, posto que as abelhas representam o principal grupo de polinizadores.
O impacto de neonicotinoides sobre as abelhas é um assunto tão estudado quanto polêmico. O professor Tjeerd Blacquière, da Universidade de Wageningen (Holanda) liderou um grupo de cientistas que se debruçou sobre inúmeros artigos científicos que reportavam estudos do impacto de neonicotinoides nas abelhas (bitly.ws/Acay). O estudo do grupo analisa três diferentes aspectos: a) os níveis de resíduos de neonicotinoides em plantas, abelhas e produtos apícolas; b) os efeitos colaterais tanto letais quanto subletais; e c) a utilidade de um esquema de avaliação de risco aplicável aos neonicotinoides.
Apesar de os registros de resíduos de neonicotinoides relatados na literatura serem mais baixos do que os níveis de toxicidade aguda ou crônica para as abelhas, os autores apontam que ainda há uma deficiência de dados, pois a maioria das análises foi realizada perto do limite de detecção do método analítico, e apenas para algumas culturas.
O estudo também registra que os efeitos letais e subletais descritos na literatura sempre foram obtidos em estudos de laboratório, em especial os que afetam o comportamento de forrageamento, a habilidade de aprendizagem e a memória das abelhas. Entrementes, nos estudos em que foram utilizadas doses compatíveis com o uso agrícola em campo, nenhum efeito foi observado sobre as abelhas.
Finalmente, os autores afirmam que o esquema de avaliação de risco proposto para compostos sistêmicos mostrou-se aplicável para avaliar o risco de efeitos colaterais dos neonicotinoides, pois considera o efeito em diferentes fases da vida e diferentes níveis de organização biológica (organismo ou colônia). No entanto, alertam que os estudos futuros devem ser conduzidos com concentrações realistas de campo, exposições relevantes e avaliações de longo prazo. Também indicam que marcadores moleculares podem ser usados para melhorar a avaliação de risco, buscando melhor compreensão do modo de ação (interação com receptores) de neonicotinoides em abelhas, permitindo identificar compostos ambientalmente mais seguros.
Apesar da polêmica no âmbito acadêmico, o fato é que os produtores agrícolas brasileiros necessitam adaptar-se às novas normas de limite máximo de resíduos de neonicotinoides, antes de 2026, para não terem suas exportações barradas pela legislação da União Europeia.