É uma conta relativamente simples: cada boi (que as vacas me perdoem o machismo, mas vou chamar todo mundo de boi mesmo) emite aproximadamente 57 kg de metano (CH4) por ano, em média; isso vezes 200 milhões de cabeças, se chega a um número enorme (11,4 milhões de t), equivalente a 63 % do metano emitido no Brasil, ou 48 % dos gases de efeito estufa. Por essas contas, cada kilo de carne consumida equivaleria 300 kg de gás de efeito estufa emitidos. Assustador, não? Verdade? Mais ou menos!
Antes de mais nada, de onde vem esse carbono emitido pelos bovinos? O alimento do boi, forragem ou grãos, fixa energia solar através da fotossíntese, na forma de diversos compostos como a celulose, amido, proteínas, etc, que contém carbono. No processo de fotossíntese, a planta retira o carbono do ar, incorporando-o naqueles compostos. Quando ingerido o alimento, micro-organismos que vivem no trato digestivo de ruminantes degradam a celulose da matéria vegetal para extrair energia química nela fixada por meio da fotossíntese. Um dos subprodutos é o gás metano. Além disso, óxido nitroso pode ser emitido do esterco e da urina. A adubação da pastagem com nitrogênio também pode emitir mais um pouco de óxido nitroso.
Dizem que para todo problema existe uma solução simples, rápida, e errada. Esse é bem o caso. Em primeiro lugar se considera, nessa conta, que todos os 200 milhões de bois, vacas, bezerros, novilhas emitem a mesma quantidade de gás – primeira mentira – a emissão de gases depende da quantidade e da qualidade de alimento ingerida. Assim, se contarmos o rebanho de mamando a caducando, a conta fica já bem menor. Depois, de onde vem o carbono que o boi emite por flatulência e eructação (arroto, para os íntimos)? Vem do alimento consumido, normalmente do pasto, no Brasil. O carbono consumido como alimento é transformado principalmente em carne, leite e dejetos, que retornam ao chão, mais aquela parte que vai para a atmosfera. Então para o boi crescer, para a vaca produzir leite, e também para emitir metano, é necessário que se alimente de carbono, ou seja, de capim. De onde vem o carbono do capim? Da atmosfera. Ou seja, o carbono, ou metano, emitido pelo boi é apenas uma devolução do que já estava na atmosfera. Mais simplesmente: o boi não fabrica carbono. Muda sua forma, o que muda um pouco o potencial de aquecimento global, mas não “aparece” carbono no sistema. E se o boi for confinado? Se for confinado, come o carbono do milho, da soja, etc, que também pegaram o carbono da atmosfera.
Bom, se o carbono vem do capim, como será que essa coisa funciona? Como será o balanço de carbono do pasto? A simples a conversão de cerrado para pastagem, ao contrário do que muitos acreditam, acumula em média 1,3 Mg ha-1 ano-1 de C, com amplitude de -0,9 a 3,0 Mg ha-1 ano-1. A variação ocorre em função do manejo que se emprega. Pode-se concluir que a recuperação de uma área de 24 milhões de ha de pastagem degradadas que se estima existir no cerrado, com melhoria do manejo, resultaria em acúmulo de 36 milhões de t de C por ano. Repare que esse número é mais de três vezes maior que os 11,4 milhões supostamente emitidos por ano pelo rebanho brasileiro. Ainda na região dos cerrados, em diferentes sistemas de uso e manejo da terra, os maiores estoques de C estão relacionados com a presença de forrageiras, resultando na seguinte ordem decrescente de estoques de C no solo: pastagem permanente > Integração Lavoura-Pecuária sob plantio direto > lavoura em semeadura direta > lavoura em cultivo convencional.
Em regiões originalmente sob Mata Atlântica, a pastagem bem manejada fixa 2,7 t ha-1 ano-1 de carbono, em média, enquanto que na região Amazônica a média é de 300 kg ha-1 ano-1. Note-se que são pastagens sob pastejo, ou seja, com boi comendo. O simples fato de se adubar a pastagem, ou seja, melhorar o nível de proteína, pode diminuir aproximadamente em 15% a quantidade de metano emitido por kilo de matéria seca ingerida. Assim, é bom lembrar que a pastagem degradada é bem menos eficiente porque, além do baixo teor de proteína, o capim cresce pouco e, portanto, fixa pouco carbono da atmosfera. Mas, mesmo assim, o boi comendo em pasto ruim só pode emitir o que comeu. Ou seja, pode não haver ganho de carbono no solo, mas não pode haver emissão líquida, porque mágica não existe.
Para o boi em confinamento, a introdução de tortas com elevado teor de gordura nas dietas pode auxiliar na mitigação de metano entérico. Recentemente, uma tese apresentada à Escola Superior de Agricultura, em Piracicaba, comparou as emissões de carbono de três sistemas de produção, ou seja, a média brasileira, um sistema intensivo a pasto e um sistema intensivo a pasto com terminação em confinamento. Quanto mais intensivo o sistema, maior foi a emissão de carbono, mas a produção foi muito maior.
Assim, os sistemas intensivo a pasto e intensivo a pasto com terminação no cocho resultaram em emissões de carbono 29 e 38 % menores por kg de carne produzida. Isto é, a produção de grãos resulta em maiores emissões de GEE provenientes de combustíveis fósseis utilizados na fase de produção, mas o uso estratégico dos grãos na fase final de terminação aumenta a produtividade do sistema de forma a reduzir a produção de metano por unidade de carne e reduzir o impacto desta atividade sobre o clima.
Agora, vamos retomar aquela conta do início, mas levando em conta que não existe boi sem comida, sem pasto. Contando as estimadas 200 milhões de cabeças de bovinos no Brasil, que ocupariam talvez 70 milhões de hectares de pastos bem manejados. Se considerarmos o seqüestro de apenas 1 t ha-1 ano-1 de carbono, a pecuária estaria fixando no solo algo em torno de 70 milhões de toneladas de carbono, ou cerca de 90 milhões de toneladas de metano, equivalentes a aproximadamente 2,0 bilhões de toneladas de CO2, já descontados os gases emitidos. O bandido virou mocinho? Ou será que existem interesses não confessados em prejudicar o desenvolvimento de nossa pecuária? Como já se disse, uma estatística bem torturada revela qualquer coisa.
O governo brasileiro assumiu, em uma convenção em Genebra, compromisso voluntário de reduzir as emissões de carbono no País entre 36,1 e 38,9 % até 2020. Nesta previsão a pecuária deverá contribuir com quase 2/3, recuperando pastagens e implantando sistemas integrados lavoura-pecuária e lavoura-pecuária-floresta. A proposta do governo implica em investimento estimado em mais de R$ 50 bilhões. Para fazer frente ao investimento foi instituído o Programa de Agricultura de Baixo Carbono, que vem capengando desde sua divulgação, e até agora não vem cumprindo as metas estabelecidas.
Resumindo, nossos pastos podem sim, produzir proteína de boa qualidade, empregos e renda, ao mesmo tempo que mitigam a emissão de gases de efeito estufa. Basta para isso que os pastos sejam bem manejados, bem administrados, ou seja, que se use o conhecimento que já temos e que estamos desenvolvendo. Para isso precisamos de capacidade de investimento e de gente com treinamento adequado. Do peão ao gerente.