A frase acima é de Phillipus Aureolus Theophrastus Bombastus von Hohenheim, médico e alquimista suíço, mais conhecido como Paracelso. Em livre tradução, significa que todas as substâncias são venenos; não existe uma que não seja veneno. A dose certa diferencia um veneno de um remédio. A Humanidade foi informada desta verdade há quase 500 anos, mas há pessoas que, por ignorância ou má intenção, insistem em não a levar em consideração. Esse artigo pretende ilustrar o que ocorre quando se olvida esse dito milenar.
Iniciemos por um “ alerta”, efetuado pelo prof. Kevin M. Folta, da Universidade da Flórida (http://bitly.ws/rH9X), sobre o que ele chama de “Os Dez Tóxicos”, que são substâncias presentes em alimentos. Segundo ele, “são produtos químicos que estão na geladeira da sua família e o governo não faz nada para impedir; ele ainda toma medidas para aumentar seu nível nos alimentos. Eles são prevalentes na dieta americana. Estudos em animais mostraram que eles podem representar um risco significativo para a saúde”.
De acordo com o prof. Folta, a toxicidade da dieta humana de muitos desses compostos foi relatada em diversos estudos, e algumas exposições podem ser fatais. Alguns são comercializados diretamente para as crianças. Quase todos também são vendidos em farmácias, mas sua principal fonte são os alimentos. Mais de 50.000 casos de envenenamento provocados pelos “Dez Tóxicos” foram relatados aos centros de controle de envenenamento, e estão listados no Banco de Dados de Substâncias Perigosas do governo dos Estados Unidos (http://bitly.ws/rHbn).
Testes de laboratório independentes detectaram os “Dez Tóxicos” em quase todas as frutas e vegetais frescos. As substâncias são onipresentes e encontradas em quantidades consideráveis, mesmo em produtos orgânicos. Sem mais delongas, vejamos quais são os “Dez tóxicos”, na opinião do Prof. Folta, indicando as principais fontes alimentares onde são encontrados:
Os Dez Tóxicos
1. All-trans-retinol (níveis mais altos em cenouras, folhas verdes e tomates)
Um dos mais perigosos dos “Dez Tóxicos”, é conhecido por se ligar aos receptores retinoides após sua ingestão. A exposição crônica pode levar a dores de cabeça e osteoporose (http://bitly.ws/rHgg). A exposição aguda é tóxica para o fígado (http://bitly.ws/rHfd), causando queda de cabelo, descolamento da pele, problemas de coordenação, vertigem, náusea, fadiga e fortes dores de cabeça (http://bitly.ws/rHj5, http://bitly.ws/rHp5).
2. Alfa-tocoferol (níveis mais altos em sementes de girassol, amêndoas, espinafre e abacate)
O alfa-tocoferol, em estudos com ratos, demonstrou afetar negativamente funções cardíacas; camundongos grávidos, tratados com ele, tiveram prole com crescimento lento e fenda palatina (http://bitly.ws/rHjD). Foi observada neurotoxicidade e lesão hepática em humanos, juntamente com fadiga, visão turva, vômitos, diarreia e problemas de coagulação do sangue, levando a hemorragias (http://bitly.ws/rHmt).
3. Ácido Ascórbico (morangos, brócolis, frutas cítricas)
A sua ingestão pode causar irritação gástrica, diarreia, dores abdominais, acidez estomacal, indigestão, micção muito frequente e dor de cabeça (http://bitly.ws/rHmD, http://bitly.ws/rHpQ).
4. Piridoxina (grão de bico, folhas verdes, cenouras)
Pode induzir convulsões, causar sensibilização de nervos periféricos, induzir dificuldade em andar e controle de movimentos, convulsões, diarreia, reações alérgicas e fraqueza muscular (http://bitly.ws/rHmR, http://bitly.ws/rHpQ).
5. Cianocobalamina (cogumelos)
Causa coágulos sanguíneos, erupções cutâneas, diarreia, choque anafilático que pode resultar em óbito. Em camundongos, foi relatada insuficiência cardíaca e respiratória (http://bitly.ws/rHnS). Contém cobalto, um elemento industrial perigoso, envolvido na contaminação tóxica das águas subterrâneas (http://bitly.ws/rHo5, http://bitly.ws/rHoa)
6. Ácido piridina-3-carboxílico (amendoim, abacate e arroz integral)
Pode causar toxicidade hepática, ritmo cardíaco acelerado, icterícia, coceira, fadiga e vômitos (http://bitly.ws/rHoT).
7. Colecalciferol (suplemento alimentar)
Causa problemas no metabolismo ósseo, depósitos de minerais nos rins, constipação ou diarreia (http://bitly.ws/rHph). É usado como rodenticida, especialmente no controle de ratos (http://bitly.ws/rHpr).
8. Filoquinona (vegetais de folhas verdes como couve e espinafre)
Induz icterícia e anemia e, em bebês, pode causar um defeito na quebra da hemoglobina que pode levar a danos cerebrais (http://bitly.ws/rHS7).
9. Ácido fólico (vegetais verdes, feijões, ervilhas, bananas, melões e morangos)
Aumenta o risco de câncer, defeitos congênitos, derrame cerebral e ataques cardíacos (https://www.nature.com/
10. Colina (feijões, frutas e legumes)
Pode causar vômitos, sudorese e salivação excessivas e perigosas diminuições da pressão arterial. A colina pode ser tóxica para o fígado e, em alguns níveis, pode causar um odor corporal de peixe (http://bitly.ws/rHSI, http://bitly.ws/rHSQ).
À lista do prof. Folta, poderíamos acrescentar inúmeras outras substâncias, como a cumarina presente na canela em pó e em xaropes expectorantes como o Guaco. Ela tem ação anticoagulante, razão pela qual é o princípio ativo de rodenticidas. Pode provocar hiperglicemia, reduzir o teor de progesterona, aumento do volume do fígado e distúrbios hepáticos (http://bitly.ws/s7f5).
Apavorado?
Prezado leitor, que chegou até esse ponto: estás muito assustado? Talvez apavorado?
Alvíssaras, rejubile-se, na prática não há o que temer. Todos os produtos químicos acima fazem parte da dieta quotidiana de animais – incluindo seres humanos – há muitos milênios. O que há de comum entre eles? Todos são vitaminas, com exceção da colina! Os efeitos tóxicos referidos são reais, determinados a partir de experimentos realizados em animais, ou em culturas de células em testes de laboratórios.
Para explicar porque não se preocupar, voltemos para o ensinamento milenar de Paracelso. Mesmo as vitaminas, essenciais para a vida, possuem níveis específicos de ingestão, que não devem ser excedidos. Se isto ocorrer, elas podem ser prejudiciais. Entrementes, a maioria dos efeitos colaterais adversos (toxicidade) se manifesta em níveis muito elevados, via de regra muito além do que qualquer ser humano poderia consumir. Na prática, os casos de intoxicação referidos ocorrem por overdose de suplementos ou ingestão acidental. Em nosso cotidiano, é impossível exceder os limites de risco do consumo de frutas e vegetais, não há capacidade estomacal em um ser humano para consumir doses tóxicas de qualquer vitamina, através da alimentação.
Os Doze Sujos
Ao longo de 2021 ocorreu uma campanha orquestrada na mídia dos EUA, alertando consumidores sobre o perigo de consumo de alimentos que foram alcunhados de “Os doze sujos” (The Dirty Dozen, em inglês). A menção constitui, supostamente, uma alegoria ao filme de mesmo nome (Os doze condenados, na versão em português), lançado em 1967, dirigido por Robert Aldrich e protagonizado por Lee Marvin. Um clássico, se o leitor não assistiu, não deixe de fazê-lo.
As informações dos cultivos que compõem a lista “Os Doze Sujos” podem ser obtidas em https://www.pan-uk.org/dirty-
Não apenas nos Estados Unidos. Em outro artigo (http://bitly.ws/s7iE) o prof. Folta chama a atenção para a distorção de informações sobre a segurança de alimentos na Europa, provocada por ativistas que usam os dados de agências governamentais, mas com conclusão opostas. Grupos como o Pesticide Action Network, baseados em seus próprios critérios, consideraram como perigosos resíduos encontrados em alimentos em levantamentos da European Food Safety Agency, os quais foram considerados seguros pela Agência. Esta se baseou em resultados de inúmeros estudos científicos que estabeleceram o limite máximo de resíduos considerado seguro para consumo, mesmo no longo prazo.
O exercício acima, com a lista “Os Dez Tóxicos” ilustra como é fácil evocar uma percepção de risco e medo em torno de produtos químicos presentes em nossa dieta. É muito fácil assustar as pessoas, elencando estudos, fatos e números verdadeiros, com efeitos tóxicos de produtos químicos que, na realidade, são inofensivos (pesticidas) ou benéficos (vitaminas), nas doses normalmente encontradas em alimentos. É esse pormenor – lembremo-nos uma vez mais da menção de dose por Paracelso –que faz toda a diferença entre remédio e veneno, e que são escondidos dos leitores, em campanhas como a dos “Doze Sujos”.
Inocuidade x toxicidade
O avanço da Ciência, de alguma forma, ajuda a quem pretende distorcer informações, falando meias verdades, sem contextualizar ou explicar, de forma transparente, as informações que expõe. Com os modernos equipamentos de análise química, é possível detectar resíduos de substâncias químicas de até uma parte por trilhão (1 ppt), ou seja, um micrograma por tonelada. Dito de outra forma, um grama em um milhão de toneladas. Em toxicologia, os termos mais usuais são partes por milhão (ppm) ou parte por bilhão (ppb). Para ilustrar o que significa 1 ppt, imagine uma piscina cheia de água até a borda, que meça 100m de comprimento, 100 m de largura (ou seja, uma quadra urbana!) e tenha 5 m de profundidade. Coloque uma única gota de qualquer substância na água dessa piscina. Homogenize, mexendo muito bem. Tire uma amostra da água e mande para um laboratório especializado. Eles identificarão a substância que foi lá colocada, que estará na concentração de 1 ptt (uma parte por trilhão!).
Assim, com a enorme capacidade dos modernos laboratórios de análise química, é possível identificar teores muito abaixo daqueles que possam causar efeitos toxicológicos adversos. Ou seja, são inócuos. O que inclui resíduos de pesticidas ou vitaminas presentes em alimentos. Então, o que ocorre, é que essa informação é omitida, sendo o leitor induzido a pensar que a simples presença de resíduos de uma substância química – mesmo em níveis ínfimos – vai causar problemas à sua saúde.
Existem diversos parâmetros para se mensurar a toxicidade de uma substância química. O de mais fácil entendimento é a Dose Letal Média 50 (DL50), que significa “a quantidade de uma substância química que, quando é administrada em uma única dose, expressa em massa da substância por massa de animal, produz a morte de 50% dos animais expostos dentro de um período de observação”.
A DL50 pode ser oral (mede a toxicidade de uma substância ingerida) ou dermal (mede a toxicidade uma substância em contato com a pele). É uma maneira prática de comparar a toxicidade aguda de diferentes substâncias químicas. É importante atentar-se para um fato: quanto maior a DL50, tanto menor a toxicidade aguda de uma substância.
A tabela abaixo apresenta duas listas. A primeira delas contém vitaminas, nutrientes e medicamentos, incluindo a lista do “Dez Tóxicos”, exposta anteriormente. A outra é de pesticidas (inseticidas, fungicidas e herbicidas). Pode ser verificado que todas elas apresentam um determinado grau de toxicidade, medido em partes por milhão (ppm). Os quais giram, aproximadamente, em torno dos mesmos valores. Ou seja, há similaridade na toxicidade de vitaminas e pesticidas, a dose é que vai estabelecer se há ou não risco à saúde.
O que isto significa, na prática? Tomemos o exemplo da vitamina D3, com DL50 oral de 43, que é a que apresenta o menor valor de DL50, portanto, a mais tóxica por este parâmetro. Significa que há uma probabilidade de óbito de 50% das pessoas que ingerirem 43 mg de vitamina D3 por quilo de peso do indivíduo, de uma única vez. Considerando uma pessoa com 80kg de peso, sua ingestão, em dose única par atingir a DL50, seria de 3,44g. Uma gema de ovo possui, em média, 0,5 µg de vitamina D3. Portanto, a pessoa pesando 80 kg precisaria consumir 6.880.000 gemas de ovo, de uma única vez, para atingir a DL50. Não são necessários muitos argumentos para verificar que isto é impossível. Só que esta informação não é passada nas campanhas de desinformação.
Agora usemos o exemplo de um pesticida, a permetrina, que é um inseticida largamente utilizado no Brasil. Sua DL50 oral é de 1.500 ppm, um valor mediano entre os pesticidas modernos. Consideremos o exemplo do milho, um produto utilizado na elaboração de diversos alimentos. Para que houvesse 50% de probabilidade de óbito de uma pessoa, em um universo que consumisse um alimento contendo resíduos de permetrina, seria necessário que cada quilo desse alimento contivesse 1,5 g de permetrina. Consideremos o controle da lagarta da folha do milho, onde é recomendado o uso de 25 g de permetrina por hectare. A produtividade de milho no Brasil (Conab, safra 2020/21) foi de 4.366kg/ha. Assim, devem ser aplicados 25g de permetrina em uma lavoura onde são colhidos, em média, 4.366 kg/ha de milho. Dividindo um valor pelo outro, teríamos que, em teoria, para cada quilo de milho colhido caberia 0,5mg de permetrina. Ou seja, mesmo em uma conta totalmente absurda como esta, seria impossível atingir o valor da DL50. Seria necessário aplicar dose 300 vezes maior, e o produto não poderia sofrer nenhuma degradação entre a aplicação e o consumo (na prática, ocorre cera de 95% de degradação), e toda a permetrina aplicada teria que ir para os grãos, quando sabemos que uma ínfima fração do aplicado vai para os grãos.
Pontos importantes
Em resumo – e novamente parafraseando Paracelso – a dose faz o veneno, mas a informação correta garante a segurança alimentar. Por oportuno, registre-se a conclusão do último levantamento do Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos (PARA) da ANVISA: “...os resultados de monitoramento e avaliação do risco compilados neste relatório, correspondente a análise de diversos alimentos componentes da cesta básica do brasileiro, indicam que os alimentos consumidos no Brasil são seguros quanto aos potenciais riscos de intoxicação aguda e crônica advindos da exposição dietética a resíduos de agrotóxicos. As situações de risco agudo são pontuais e de origem conhecida, de modo que a ANVISA vem adotando providências com vistas a mitigação de riscos identificados.” (http://bitly.ws/s7gz).
O consumo de frutas e hortaliças está associado a uma diminuição do risco de desenvolvimento de doenças a longo prazo, a uma nutrição saudável, bem como a uma melhor qualidade de vida. Vivemos em uma época com o suprimento mais seguro e abundante de frutas e vegetais da história da humanidade. Não perca a oportunidade de uma alimentação saudável em decorrência da desinformação.
Portanto, nosso conselho é: Não tome suas decisões de consumo de alimentos com base no medo, a partir de postagens em redes sociais ou em sites com informações enviesadas, que não lhe contam toda a verdade. Busque informações corretas e fundamentadas, lastreados em artigos científicos sérios, publicados por cientistas de renome, em revistas de primeira linha. Ou nas informações oficiais dos órgãos de governo, responsáveis pela fiscalização da qualidade dos alimentos.