O primeiro desafio é quantitativo: está cada vez mais difícil encontrar cidadãos que aceitem enfrentar o repto de trabalhar no campo. Muitos dos que lá se encontram almejam migrar para as cidades. Quem já está na cidade, dificilmente retorna ao campo, mesmo em um quadro de desemprego, e não obstante ofertas de remuneração maior. O segundo desafio é o da qualidade. A acelerada evolução tecnológica do agronegócio impõe a necessidade de conhecimentos cada vez mais especializados. E a dinâmica acentuada da evolução exige permanente reciclagem. A imposição de regras de sustentabilidade para o agronegócio – seja ambiental, social ou econômica – exige uma qualificação ainda maior de quem aceita o trabalho no campo.
O fenômeno não é apenas brasileiro. As estatísticas da FAO mostram que, desde 2010, há mais pessoas nas cidades que nos campos, revertendo uma condição milenar da Humanidade. E a tendência é inexorável, pois as projeções do Banco Mundial indicam que haverá 3,4 bilhões de habitantes na área rural do mundo em 2020, contra estimados 3,1 bilhões para 2050. Ou seja, 40% das pessoas viverão no campo em 2020 e apenas 32% em 2050.
A redução do contingente de habitantes nas áreas rurais confere um impulso adicional à automação e mecanização das lavouras, criando um círculo retroalimentador, em que menor oferta de mão de obra obriga a um incremento acentuado na automação, o que, por sua vez, reduz a demanda de mão de obra. Por outro lado, as tecnologias de automação exigem profissionais cada vez mais qualificados. Somando os dois termos da equação, temos que os salários médios no campo, para funções equivalentes, serão maiores que os da cidade, com o bônus do menor custo de habitação e alimentação no campo.
A explanação teórica acima é ratificada por números da economia brasileira, como os dados da PNAD contínua do IBGE. Conforme Felippe Serigati, economista do GV Agro que debruçou-se sobre a PNAD, em 2017 a mão de obra empregada no cultivo da soja recebeu, em média, R$2.610,48 mensais, salário 26% maior do que a remuneração média da população ocupada em todas as atividades no país, naquele ano. Obviamente, tanto em um caso quanto em outro, há uma amplitude a considerar, com os maiores salários associados com maiores exigências de formação, conhecimento, treinamento, habilidade e experiência. No caso do trabalho no campo, as tecnologias da nascente “agronomia digital” são as que exigem maior qualificação, portanto com remuneração mais elevada. Isto inclui diversos processos de agricultura de precisão, gestão de fatores de produção, levantamentos e previsões e a operação de sofisticadas máquinas agrícolas, como as modernas colhedoras, plantadoras e auto-propelidos.
O economista Felippe Serigatti observou que, entre 2012 e 2017, o número de empregos no agronegócio reduziu 1,9% ao ano. Pelo censo do IBGE, eram 19,7 milhões em 2012 e 18 milhões em 2017. Renato Conchon, coordenador do Núcleo de Economia da CNA, ilustra com outros números, mostrando que a parcela da mão de obra empregada no agronegócio diminuiu de 32% (2014) para 19% (2017). Especificamente na agricultura, houve uma retração de 5% ao ano nas contratações. No período 2014/17, a safra de grãos aumentou 45%, passando de 161 para 234 milhões de toneladas, de acordo com a Conab, o que demonstra um enorme avanço na produtividade da mão de obra, compensando a sua escassez.
Desde a década passada que a tendência de melhoria da qualificação da mão de obra era percebida no seio das cadeias do agronegócio, enquanto a informalidade reduzia-se acentuadamente. Foi o que comprovou a análise da PNAD efetuada por Serigatti, com queda de 3,4% ao ano no número de empregos informais, entre 2012 e 2017, ao passo que os empregos formais reduziram-se 1,4% a.a. Essa tendência auxiliou a consolidar a melhoria do salário médio real no período, que cresceu 7% acima da inflação, enquanto a remuneração dos empregos urbanos cresceu 4,6%. Em 2014, 33,6% dos empregados no agronegócio recebiam um salário mínimo, índice que foi reduzido para 29,8%, em 2016. No mesmo período, houve uma redução dos empregados com dois ou menos anos de estudo, passando de 34,4% para 32,3%.
Os números mostram que o desemprego é, cada vez mais, um fenômeno urbano – no campo vige o fenômeno inverso, a falta de mão de obra. E a tecnificação acelerada do campo exige cada vez mais qualificação. De forma consentânea, verifica-se que o desempenho da economia do interior do país, em regiões com maior peso do agronegócio, o PIB cresceu 3,7% ao ano. No mesmo período, o crescimento do PIB das regiões metropolitanas foi de 2,5% a.a. O que reafirma outra máxima: é o agronegócio que está mantendo o Brasil à tona e foi quem evitou o naufrágio durante a profunda recessão do último triênio.
As modificações no perfil da mão de obra no campo estão diretamente associadas com as exigências da sociedade moderna, emolduradas pela busca de sustentabilidade na agricultura. O atendimento às questões ambientais e trabalhistas passa a ser um pré-requisito para a produção agrícola. Em especial, persegue-se o aumento da produtividade, pela necessidade de maior eficiência econômica e pelas restrições para expansão de áreas para produção.
Esse conjunto de requerimentos remete as demandas para diferentes instituições da sociedade. As lideranças do agronegócio clamam alinhamento das instituições de pesquisa e desenvolvimento com a nova realidade e a dinâmica do agronegócio, ao tempo em que, mais que nunca, são sentidas as deficiências de instituições de assistência técnica oficiais. A evolução tecnológica exige adaptação urgente do currículo e das ementas disciplinares dos cursos de Ciências Agrárias das nossas Universidades, para colocar no mercado os profissionais que são exigidos pelo novo patamar tecnológico, cujo ícone é a Agronomia Digital. A qualificação da mão de obra do campo é o fulcro da missão do SENAR, de quem se espera que seja uma estaca basilar do sucesso do agronegócio. Da adequação institucional depende o equacionamento dos dois grandes desafios da mão de obra no campo, ao longo das próximas décadas.