Cada cidadão tem seus mecanismos próprios para verificar que as mudanças climáticas chegaram e que se intensificarão no futuro. Não foi por falta de alerta dos cientistas, que chamam a atenção para as emissões antrópicas crescentes de gases de efeito estufa (GEE) há mais de 50 anos, e seu impacto sobre o clima planetário. Pouco adiantaram os alertas. Devido à inação dos governos e dos setores econômicos, nas últimas décadas, os governos correm atrás de políticas públicas que possam mitigar o desastre anunciado.
No caso do bloco europeu, precisamos retroagir a 2019 para entender o contexto atual. Naquele ano, a Comissão Europeia formulou o Pacto Ecológico Europeu (bitly.ws/zDTs), estabelecendo um pano de fundo de desenvolvimento sustentável, sendo uma das justificativas que o crescimento econômico implicasse em progressiva descarbonização. Além das ações que envolvem diretamente a produção nos países do bloco, o Pacto aponta para ações, como evitar a importação de produtos que tenham origem em áreas recentemente desmatadas e a aplicação de taxas sobre emissões, quando do ingresso de produtos fabricados de outros países.
Considere-se que o tema climático é um dos pilares do Pacto Ecológico Europeu. Em julho de 2021, foi aprovada a Lei Europeia do Clima, que estabelece a meta de reduzir pelo menos 55% das emissões de GEE até 2030, comparadas aos níveis de 1990, bem como aprova a meta de neutralidade de emissões até 2050, objetivo maior do Acordo de Paris.
O Pacto e a Lei do Clima estão na gênese de um dos programas mais polêmicos, denominado “Mecanismo de ajuste de carbono na fronteira da União Europeia”, conhecido por CBAM, na sigla em inglês (bitly.ws/zDQE). Para tanto, serão criados mecanismos para mensurar a pegada de carbono no processo produtivo dos bens importados (análise do ciclo de vida), impondo uma taxa para que o produto ingresse nos países da UE, lastreado no volume de emissões gerado na produção da quantidade importada. Esse processo é muito complicado. Os diferentes segmentos da economia possuem metas compulsórias de redução de emissões, inclusive participando do Sistema de Comércio de Emissões (SCE).
Refira-se que o comércio europeu de emissões de carbono iniciou em 2005. Sua lógica é o sistema conhecido como “cap and trade”. Por ele, as licenças de emissão são concedidas às instalações industriais e de geração de energia, que representam mais da metade das emissões de GEE da UE. Por exemplo, se a empresa emite mais carbono do que a cota de licença recebida ou comprada de terceiros (cap), ela deve cobrir a diferença adquirindo licenças de emissão de empresas que tenham emitido GEE inferior ao valor que lhe foi legalmente atribuído (trade).
Na União Europeia, os segmentos com metas de redução de emissões abarcam a geração de energia elétrica, vapor e calor, e as indústrias de uso intensivo de energia. Esse último segmento envolve as refinarias de petróleo, siderúrgicas e produção de ferro, alumínio e outros metais, cimento, cal, vidro, cerâmica, celulose, papel, papelão, ácidos e produtos químicos orgânicos a granel e de aviação, entre outros.
Os setores acima referidos são abrangidos pela compulsoriedade legal de redução de emissões. Para tanto, a cada empresa é conferida uma “licença para emitir”, estabelecendo o valor máximo dessa emissão. Caso esse limite seja excedido, a empresa é obrigada a compensar as emissões além da licença, pela aquisição de créditos de carbono no mercado.
Ocorre que esse sistema impõe um ônus financeiro às empresas localizadas na União Europeia. Para contrabalançar o custo extra, e a fim de evitar a importação de produtos não sujeitos a medidas semelhantes de redução de emissões em outros países, foi criado o mecanismo da CBAM. O objetivo climático é manter as metas de descarbonização da economia. Os objetivos econômicos são evitar a competição de produtos estrangeiros mais baratos (por não estarem sujeitos às regras de descarbonização), ou mesmo evitar a desindustrialização da UE, com a transferência de fábricas para países que sejam lenientes com as emissões de GEE.
Dessa forma, a implantação do mecanismo será gradativa iniciando pelos produtos mais intensivos em emissões. Na primeira fase, serão taxados produtos como cimento, alumínio, fertilizantes, ferro, aço e a produção de energia elétrica. Verifica-se que, na primeira etapa, os produtos agrícolas não estarão contemplados diretamente. Porém, insumos e equipamentos utilizados no sistema de produção agrícola (fertilizantes, pesticidas, máquinas e implementos) serão passíveis de taxação, o que impacta o custo de produção da agricultura europeia.
A implantação gradativa confere um espaço temporal para o governo brasileiro, e a iniciativa privada, analisarem os impactos do CBAM sobre as exportações de produtos brasileiros, efetuando as devidas adaptações para manter o fluxo de exportações para a União Europeia, sob a vigência do novo mecanismo.