Em fevereiro de 2019, a Rede Brasileira de Interações Planta-Polinizador (REBIPP) lançou o seu 1º relatório sobre o tema. Neste artigo sumarizamos as principais considerações contidas no documento, bem como as propostas para que os produtores brasileiros e a sociedade possam se beneficiar de um serviço que a natureza nos fornece gratuitamente.
A polinização é um dos serviços ecossistêmicos providos pela natureza. Ela é um paralelo, no reino vegetal, do ato sexual no reino animal. É a forma mais comum de promover a fecundação, permitindo que o gameta masculino encontre o feminino. Para a maioria das espécies de plantas de importância econômica ou ambiental, sem a polinização não há produção de sementes – ou seja, rompe-se a cadeia de perpetuação da espécie – e/ou não há frutos, provocando disrupção nos elos das cadeias alimentares, das quais a espécie humana se situa no topo.
A REBIPP aponta que três quartos das plantas utilizadas para produção de alimentos, no Brasil, dependem de polinização realizada por animais. Para 91 dessas plantas (frutas, hortaliças, legumes, grãos, oleaginosas) há alguma dependência dos polinizadores. Para 69 delas, a ação de polinizadores aumenta a quantidade e/ou a qualidade da produção agrícola, sendo essencial para 35%, alta para 24%, modesta para 10% e pouca para 7%. A produção de castanha-do-brasil, caju, maçã, maracujá, melão, melancia e pinhas é totalmente dependente de polinizadores. Além de aumentar a produtividade, a polinização zoófila provê frutos e sementes de melhor aparência e qualidade, agregando valor agronômico e mercadológico.
Em 2018, o valor econômico do serviço ecossistêmico de polinização zoófila para a produção de alimentos no Brasil foi estimado em R$ 43 bilhões. Cerca de 80% do valor é representado por soja, café, laranja e maçã. A valoração monetária do serviço ecossistêmico de polinização considera o valor da produção e o incremento de produtividade associado aos polinizadores.
Cerca de 600 espécies de animais foram registradas como visitantes florais de plantas cultivadas ou silvestres no Brasil, das quais se estima que 41% possam ser polinizadores. Diversos animais (aves, besouros, borboletas, mariposas, morcegos, moscas e vespas) são polinizadores, porém as abelhas são os mais importantes.
Os polinizadores – logo, a polinização – são ameaçados por perda de habitat, mudanças climáticas, poluição ambiental, agrotóxicos, espécies invasoras, pragas e patógenos. Do meu ponto de vista, a principal ameaça é a mudança no uso da terra, substituindo a vegetação nativa por áreas agrícolas ou urbanas. Tais alterações diminuem a oferta de locais para construção de ninhos e reduzem os recursos alimentares utilizados por polinizadores.
A polinização demanda disponibilidade de habitats e requisitos ambientais, que inclui recursos alimentares, paisagens amigáveis com habitat natural, locais para abrigo e construção de ninhos, resinas e fragrâncias florais. Essas condições essenciais para a sobrevivência dos polinizadores não estão apenas nos cultivos que eles visitam mas, principalmente, no entorno.
As oportunidades para favorecer o serviço de polinização confluem para a adoção de técnicas que tornem o processo agrícola sustentável, a intensificação ecológica da paisagem agrícola, formas alternativas de controle e manejo integrado de pragas, redução da deriva de agrotóxicos, entre outros. Lembrando que a manutenção de habitats naturais tende a aumentar a diversidade de polinizadores nativos e do serviço ecossistêmico associado, e que, via de regra, a diversidade melhora a qualidade do serviço. Portanto vamos preservar e, tanto quanto possível, expandir as áreas de habitat de polinizadores no entorno das lavouras.
Além da obtenção de bens tangíveis (mel, própolis, cera, pólen), a comercialização do serviço de polinização por abelhas está se tornando uma atividade importante no Brasil. No país, a abelha africanizada, Apis mellifera, é o polinizador mais manejado, sobretudo para obter produtos apícolas. Porém existem espécies de abelhas nativas, especialmente as abelhas sem ferrão, que são manejadas para polinizar espécies vegetais cultivadas para produção de alimentos. Apesar do grande potencial para o provimento do serviço ecossistêmico de polinização, o manejo de polinizadores para aumentar a produção de alimentos ainda é incipiente, envolvendo apenas 16 espécies, sendo 12 de abelhas sem ferrão.
O REBIPP sinaliza que ações para a conservação dos polinizadores nativos e manejados e do serviço ecossistêmico de polinização dependem da governança do processo (entes públicos e privados), do conhecimento sobre polinizadores e polinização e de estratégias colaborativas entre diferentes setores da sociedade. Uma política pública destinada aos polinizadores, à polinização e à produção de alimentos beneficia a conservação desse serviço ecossistêmico e promove a agricultura sustentável no país.
Neste sentido, uma política pública que trate da polinização e dos polinizadores de forma ampliada, ancorada na conservação da biodiversidade, pode ser favorecida por uma construção coletiva que integre agendas e ações transversais de diversas áreas – como meio ambiente, agricultura, ciência, tecnologia, informação e comunicação – envolvendo agentes públicos e privados. A divulgação do conhecimento para a sociedade e o desenvolvimento de projetos de extensão rural, de educação ambiental e de ciência cidadã são componentes da governança efetiva.
O desenvolvimento de práticas agrícolas sustentáveis permite conciliar a produção agrícola com a conservação da biodiversidade e dos serviços ecossistêmicos. Por exemplo, o manejo de espécies importantes para os polinizadores presentes nos cultivos, ou no seu entorno, contribuem para a riqueza e a estabilidade de polinizadores nas plantações, proporcionando maior rentabilidade agrícola. Assim, à medida que a agricultura se torna mais sustentável, o valor agregado dos produtos aumenta, demonstrando para a sociedade que é possível atenuar o impacto da produção agrícola sobre o meio ambiente.
Reza a sabedoria popular que não valorizamos aquilo que recebemos gratuitamente. Meu recado final é que nos preocupemos em fortalecer o serviço ecossistêmico de polinização, gratuitamente ofertado pela natureza, antes que tenhamos que pagar por ele, aumentando os custos de produção, reduzindo nossa competitividade comercial e dificultando o acesso da população à alimentação.