Alimentar 10 bilhões de pessoas que habitarão o planeta Terra em 2050 é um desafio monumental. Adende-se que hoje existem cerca de um bilhão de pessoas no mundo que convivem com insegurança alimentar, o que é uma iniquidade que precisa ser solucionada no curtíssimo prazo. E, para tornar o desafio superlativo, consideremos dois outros aspectos: as áreas que podem ser cultivadas, sem impactos ambientais adversos inaceitáveis, estão se exaurindo. E as mudanças climáticas em curso, tornarão cada vez mais difícil produzir alimentos a custo acessível e em quantidade suficiente para atender a demanda que se avizinha.
Apenas a Ciência pode resolver essa aparente inequação. Um dos estudos que podem contribuir para a solução do problema, com abordagem inovadora, foi conduzido por um grupo de cientistas norte-americanos, liderados por uma brasileira, a Dra. Amanda de Souza, e foi publicado na prestigiada revista Science em 19 de agosto passado (bitly.ws/tv5H).
As medições da atividade de fotossíntese são tradicionalmente feitas em condições de plena luz no campo. Entretanto, as folhas das plantas sofrem flutuações frequentes na incidência de luz solar (de sol pleno a sombreamento, e vice versa), necessitando de algum tempo para reagir a essas mudanças. Essa resposta lenta reduz a eficiência da assimilação de carbono pelas plantas. Transições de luz baixa para alta requerem indução fotossintética, incluindo a ativação de uma enzima essencial na fotossíntese - a Rubisco (http://bitly.ws/tvat) - e a abertura de estômatos.
As folhas das plantas, submetidas a plena luz solar, dissipam na forma de calor, o excesso de energia luminosa absorvida. Essa dissipação protetora continua após a transição da folha para a sombra, reduzindo a intensidade fotossintética da cultura. Para solucionar o problema, a equipe em que a Dra. Amanda trabalha propôs uma solução de bioengenharia para acelerar esse ajuste. Na prova de conceito, a equipe verificou um aumento da eficiência fotossintética durante as transições de plena luz solar para a sombra, que gerou um aumento de 14-21% da biomassa de plantas de tabaco, em estudos conduzidos na Universidade de Illinois, EUA.
À vista do sucesso, os cientistas se questionaram: A mesma solução poderia redundar em aumento de rendimento em um cultivo alimentar? Para testar essa hipótese, a planta escolhida foi a soja. Em diversos ensaios de campo, a eficiência fotossintética foi maior, em condições de episódios de transição entre luz plena e sombra. O mais importante é que, usando cinco diferentes linhagens transformadas por ferramentas de biotecnologia, a produtividade de grãos incrementou em até 33%.
Os autores do artigo explicam que as plantas dissipam o excesso energia luminosa absorvida em plena luz solar, que é potencialmente prejudicial às plantas, induzindo um mecanismo denominado de resfriamento não fotoquímico (NPQ – do inglês Non Photochemical Quenching), muito bem apresentado no artigo do Dr. Alexander Ruban (bitly.ws/tvaH). Essa é a forma que a Natureza encontrou para evitar a formação de espécies reativas de oxigênio – os radicais livres - que causam diversos efeitos adversos nas células das plantas, inclusive prejudicando a fotossíntese.
Ocorre que o NPQ reage lentamente durante as transições entre sol pleno e sombra, que podem ser frequentes durante o ciclo das culturas, demorando até 10 minutos para completar sua ação (bitly.ws/tv7H). A demora é atribuída ao tempo necessário para que ocorram algumas reações químicas, induzidas durante a transição luz/sombra. Em consequência, sobrevém uma perda substancial de energia fotoquímica, um fenômeno conhecido há tempos, e que foi estimado entre 7,5 e 30%, ainda no início do presente século (detalhes em bitly.ws/tv7d e bitly.ws/tv7h). Para a soja, o impacto da menor utilização de energia foi estimado em redução superior a 10% do potencial de assimilação diária de carbono (bitly.ws/tv7r).
Com base no conhecimento existente sobre esse mecanismo, a Dra. Amanda criou diversas linhagens transgênicas de soja, que foram estudadas no campo. Em 2020, cinco das linhagens testadas tiveram um aumento médio significativo de 24,5% no rendimento, e nenhuma delas apresentou rendimento inferior à testemunha, (cv. Maverick, bitly.ws/tvaS). Especificamente, uma das linhas transgênicas (denominada ND-18-34A) obteve rendimento 33% superior à testemunha.
Os rendimentos mais altos foram devidos a um maior número de sementes por planta. O aumento da produtividade não alterou o teor de proteína e óleo, e a maioria dos outros componentes da qualidade da semente segundo os autores. A mesma tendência foi observada nos estudos realizados em 2021, em relação ao número e tamanho das sementes, porém o impacto sobre o rendimento foi menor.
A explicação dos autores para o resultado obtido em 2020 é que a superexpressão de três transgenes, nas linhagens transgênicas de soja, acelerou o relaxamento NPQ durante as transições de sol para sombra, resultando em maior eficiência fotossintética sob luz flutuante (luz/sombra e vice versa).
Entrementes, os autores chamam a atenção de que a aceleração das taxas de relaxamento do NPQ só pode beneficiar a produtividade quando, efetivamente, correrem oscilações luz/sombra com frequência. Assim, as plantas expostas a um maior número de transições durante o seu crescimento terão uma vantagem sobre as plantas expostas a um número menor dessas transições. Em condições de baixa frequência da transição, a produtividade é igual ou levemente superior à testemunha. Não beneficia, mas não prejudica.
A diferença nas condições climáticas explica porque houve maior incremento na produção de soja em 2020. Os autores esclarecem que, em 2021, uma forte tempestade, que ocorreu pouco antes da fase de enchimento de grãos da soja, provocou intenso acamamento das plantas, alterando completamente a incidência de luz sobre as folhas, em relação ao que ocorreria com plantas eretas. Também anotaram que as transições sombra-sol causadas por cobertura de nuvens e da duração que beneficiaria a fotossíntese, devido à melhoria no processo do NPQ, foram 20% menores em 2021, em comparação com 2020.
Em conclusão, os autores afirmam que a superexpressão de AtVDE, AtPsbS e AtZEP na soja promoveu a aceleração de relaxamento do NPQ, com uma concomitante melhora na eficiência fotossintética sob luz flutuante, em dois anos de ensaios de campo. Ao acelerar o relaxamento do NPQ, um aumento médio do rendimento de sementes de 24,5% em cinco eventos independentes foi observado em 2020. O que são resultados altamente estimulantes.
A Dra. Amanda Souza é uma cientista brasileira, mas que, desde 2015, trabalha como pesquisadora no Institute for Genomic Biology na University of Illinois, no projeto Realizing Increased Photosynthetic Efficiency (RIPE). Seus estudos se encontram na fronteira da Ciência. Razão pela qual foi objeto de uma extensa reportagem do prestigiadíssimo New York Times (bitly.ws/tvZ3).
Poderia estar desenvolvendo esses estudos no Brasil. Assim como ela, temos centenas de cientistas de primeira linha, seja nas Universidades ou nos institutos de pesquisa, como a Embrapa. Cérebros privilegiados, treinados e capacitados, que são o eixo central de qualquer organização científica, não faltam no Brasil. Porém esses cientistas não dispõem de condições para expressar seu potencial criativo e produtivo, beneficiando o Brasil e a Humanidade, porque lhe faltam as condições básicas de trabalho. Em especial recursos financeiros para investimento e custeio de seus estudos, além de bolsas de estudo para potencializar sua capacidade de trabalho.
É muito pouco o que os cientistas brasileiros necessitam para devolver multiplicado por milhares de vezes em benefício da sociedade. Na terceira década do século XXI, as novas ferramentas de biotecnologia e de genética abrem oportunidades ímpares para a soberania tecnológica do agronegócio brasileiro. Esperamos que lideranças de visão percebam essa oportunidade invulgar de beneficiar a sociedade brasileira e ajudar a aplacar a fome no mundo.