Face à epidemia de fakenews, pós verdades, meias verdades, mentiras completas e similares, que inundam as redes sociais e extravasam para fora delas, fica aquela impressão de que este é um fenômeno recente, de nossos dias. Não o é, as redes sociais apenas potencializaram os malefícios da desinformação e das distorções.
Chega a surpreender que um livro que aborda temas científicos (a rigor, analisa pseudociências) tenha atingido tamanha repercussão, a ponto de figurar na revista Veja como o livro de não-ficção mais vendido (“Que Bobagem!”: um livro de ciência vira best-seller | VEJA (abril.com.br)). Entrementes, quando se analisa sob a ótica do parágrafo acima, a surpresa desaparece, cedendo lugar ao crescente interesse da população em deixar de ser enganada. O livro mostra como desinformação e distorção de fatos, para criar pseudociência, é um fenômeno antigo, que permeia a história da Humanidade.
Os autores do livro são Natalia Pasternak, atualmente professora da Universidade de Colúmbia (EUA) e presidente do Instituto Questão de Ciência; e Carlos Orsi, diretor do mesmo instituto. Eles selecionaram doze temas que, no dizer do subtítulo do livro, são “pseudociências e outros absurdos que não merecem ser levados a sério”.
Uma tarefa de fôlego
Para escrever um livro com a temática do “Que bobagem!” é necessário alguns atributos. Sem dúvida, formação científica, conhecimento e experiência são essenciais. Mas ele não viraria um best seller, não se tornaria um livro referência, sem muita dedicação para pesquisar de forma profunda cada tema; persistência para prosseguir na jornada que deve ter sido árdua; coragem para cutucar muitas onças (ou vacas sagradas) com vara curta; e didatismo na exposição, transmitindo credibilidade, tornando a sua leitura tão agradável que, ao final, o leitor é assaltado com um misto de melancolia e quero-mais. Só lhe resta reler o livro, para consolidar as informações.
Cada um dos doze temas do livro mereceu dos autores uma pesquisa profunda na literatura científica e em outras publicações, resultando que cada afirmativa nele contida seja acompanhada da respectiva citação da fonte original. Ao final do livro, são milhares de referências, que permitem comprovar cada afirmação. Esse rigor é típico de cientistas, que se atém a fatos, números e mapas comprováveis em fontes de credibilidade. Contrariamente a quem apela para o dogmatismo de fé, impondo que seu discurso seja aceito sem contestações e como verdade que não necessita de comprovação pela Ciência.
Como cientista, todos os temas abordados no livro me interessavam - sempre fui um consumidor voraz de informações científicas provenientes de revistas e autores de credibilidade. Como engenheiro agrônomo, os tópicos que abrangiam dietas e saúde foram os que mais me prenderam a atenção. Chega a ser revoltante a forma como são manipulados os anseios e angústias de cidadãos afligidos por males e distúrbios diversos, de doenças a síndromes, o que inclui a epidemia de obesidade que grassa no mundo ocidental. Em particular, revolta o tratamento mercadológico baseado na desinformação, na distorção de fatos, no uso de meias verdades para criar um mercado bilionário em torno de processos de cura, que inclui os distúrbios alimentares. Poucos faturando bilhões de dólares mundo afora, explorando as angústias e expectativas de milhões de cidadãos que são levados a acreditar em falsas alegações, que prometem o que nunca podem entregar.
Mas, além da saúde física e da alimentação, o livro aborda outros temas, como a saúde mental e similares, caso da psicanálise ou paranormalidade. Prossegue discutindo poder quântico ou antroposofia, além de discos voadores, deuses voadores, ou a Atlântida. Faltou apenas o terraplanismo – talvez por ser tão ridículo, que sequer pode ser classificado como pseudociência.
Um livro que merece a leitura
Entusiasticamente recomendo a leitura do livro a todos os que se interessam em obter informações sérias, confiáveis, baseadas em fontes lastreadas na boa Ciência, para formar sua opinião sobre aqueles temas de interesse geral, tão distorcidos pela desinformação. Para ressaltar a importância da boa informação, lembremo-nos do triste episódio que ocorreu na pandemia de Covid-19, em que determinados setores furiosamente desqualificavam as vacinas que salvaram bilhões de pessoas, mas endeusavam cloroquina, ozônio ou vermífugos, que levaram a morte um número incontável de cidadãos mundo afora.
A Ciência, em particular os avanços tecnológicos lastreados no conhecimento científico, foram e serão responsáveis por melhorar nossa qualidade vida, por mais saúde, segurança, por avanços nos ganhos de renda da população, por alimentos saudáveis para todos. Para tanto, cada um de nós pode contribuir suportando as ações sérias nas áreas de Educação, Ciência e Tecnologia, apoiando nossas universidades e institutos científicos, o que é possível se dispusermos de informação qualificada e soubermos separar o joio do trigo – o objetivo primordial do livro Que bobagem!