A criança Nicolai, nascida em uma família de comerciantes ricos de Moscou, tinha um sonho: acabar com a fome no seu país e no mundo.
Mais tarde tornou-se o botânico, fitossanitarista, geneticista e cientista. Nikolai Ivanovich Vavilov passou a viajar o mundo para coletar plantas. Em 20 anos passou pelos cinco continentes e 52 países. A primeira expedição ocorreu em 1919, para o Irã e a última em 1932/33 nas Américas Central/do Sul e Brasil, onde coletou sementes e partes de vegetais nativos e cultivados de todas espécies encontradas. Assim formou uma das maiores coleções de plantas do mundo, o equivalente a 250 mil exemplares, que ficaram armazenados em uma Instituição em Lenigrado (hoje conhecida como São Petersburgo) da então União Soviética.
Um dos legados deixados por esse cientista são os sete CENTROS VAVILOV, propostos em 1936 quando Vavilov já era um nome reconhecido internacionalmente. Cada centro corresponderia a áreas geográficas de biodiversidade e conteria exemplares de vegetais essenciais para a alimentação humana oriundo de cada uma dessas áreas. Os exemplares foram listados de acordo com a importância econômica e suas origens no mundo. A configuração dos centros foi a seguinte: 1- Tropical do sul da Ásia: arroz, banana, cana-de-açúcar, fruta-pão, pimenta; 2 - Ásia central: cebola, chá-mate, cenoura, laranja, maça, soja; 3 - Sudoeste Asiático - figo, lentilha, trigo; 4 – Mediterrâneo - alface, azeitona, beterraba, couve; 5 – Abssínia - aveia, café, mamona; 6 - América central - abacate, algodão, feijão e milho; 7- Andino e América do Sul - abacaxi, amendoin, batata, caju, castanha do Pará, cacau, fumo, mandioca, seringueira, tomate.
Uma das lições de Vavilov é que independentemente da origem do cultivo da batata ou milho, é essencial para a sustentabilidade das lavouras a manutenção da base genética dessas espécies. Outro exemplo da aplicação desse trabalho de Vavilov ocorreu no Brasil na década de 1970 com a constatação de que a ferrugem do café introduzida no país foi responsável pela destruição de lavouras. Haviam sido identificados focos de resistência à doença no centro de origem do café na Abssínia, atual Etiópia. No entanto, tais espécies e o material genético correspondente já havia sido levado para Portugal. Eventualmente foi possível usar o material português em programas de melhoramento de café no Brasil, possibilitando manter o vigor e a sustentabilidade da cadeia produtiva do café.
A importantíssima coleção do Dr. Vavilov sobreviveu às ameaças da Segunda Guerra Mundial. Funcionários fieis ao cientista morreram de fome e não se alimentaram do material e, para a sorte da humanidade, o líder da tropa nazista que capturou Lenigrado era um geneticista de plantas que manteve a coleção intacta. Após o fim da guerra, documentos revelaram planos de Hitler para proteger o material para no futuro controlar o suprimento mundial de alimentos.
Visando a sustentabilidade dos sistemas produtivos de alimentos no mundo, deve-se evitar a uniformidade em termos de alimentação. No Brasil a alta dependência de poucos produtos como trigo, arroz, feijão, milho, batata e poucas espécies de frutas e hortaliças originárias de outras regiões do mundo deveriam ceder à salutar valorização da culinária da biodiversidade de 50 mil espécies de plantas existentes no Brasil, onde apenas 10% são conhecidas e das culinárias regionais onde pode surgir opções para aproveitar e incentivar o cultivo de novas espécies nativas, gerando emprego e renda para pequenos produtores.
Que fim teve Dr.Vavilov? O Congresso Internacional de Genética de 1937, em Moscou foi cancelado às vésperas. Dr. Vavilov em seguida foi preso e faleceu de desnutrição no presídio de Saratov, em 1943. Em 1960, Dr.Vavilov foi reconhecido na Rússia como um herói da ciência soviética. Devemos fazer o mesmo. Toda vez que optamos por uma espécie nativa como a mandioca no lugar de uma espécie estrangeira estaremos homenageando Vavilov e prestigiando a biodiversidade brasileira.