Outro dia fui comprar chocolate no supermercado, como faço habitualmente. Daí veio a surpresa na velha rotina: “não temos sacolinha”, disse a jovem do checkout, escudada na lei que alvejou as sacolas plásticas descartáveis nesse comércio. O que se seguiu foi um desajeitado manejo das guloseimas durante o trânsito e outros afazeres, até chegarem ao destino – em estado de razoável viscosidade.
Apesar do desconforto, e mesmo sendo defensor do arbítrio do consumidor, não vou aqui defender o direito das pessoas à conveniência absoluta, pois o mundo mudou e precisamos, todos, rever conceitos.
A poluição está aumentando? Sim. A temperatura da terra está aumentando? Sim. Então, não há porque dinamitar atitudes de mudança contributivas, mesmo que tenham um balanço de eco-eficiência mais modesto. Se a margem de contribuição é positiva, ponto.
O caso das sacolinhas plásticas dos supermercados é um ícone dessa questão. Primeiro a constitucionalidade da lei foi questionada, daí ela virou acordo setorial e depois ganhou uma espécie de moratória de dois meses, até o “dia D” da proscrição das sacolinhas.
Enquanto acontecia tudo isso, o que mais se discutiu foi como serão as compras agora, ou se vai ter sacola biodegradável para todo mundo, se é pertinente cobrar por ela, qual seria o valor, ou como ficam as sacolas retornáveis. Muito pouco se debateu sobre o suposto ganho ambiental da medida.
Ganho ambiental
Calcula-se que em São Paulo são usadas mais de 600 milhões de sacolas descartáveis por mês. No Estado, estima-se um volume mensal de 2,5 a 3 bilhões de sacolas. Há quem fale em números menores, mais próximos à metade disso, mas não deixa de ser uma coisa simples que assume proporções gigantescas.
Retirar esse volume de circulação representa ganhos ambientais? Aparentemente sim, principalmente pensando-se nas grandes metrópoles: redução do impacto das sacolas nas enchentes das cidades; redução da sua destinação inadequada para rios, lagos, mar e outros locais onde prejudique a fauna; e contribuição para a equação do aquecimento global, já que é um subproduto do petróleo – um dos causadores do aquecimento.
Como se vê, muito da percepção de impacto ambiental das sacolinhas vem do desperdício, do descarte incorreto e até de aspectos estruturais, como a inexistência de sistemas eficazes de coleta seletiva de lixo.
Mas como é sempre mais fácil rotular um vilão do que olhar sistemicamente para o problema, a sacolinha paga o pato (ela tem sim, a sua culpabilidade) e não se encaminham soluções mais abrangentes e profundas para o meio ambiente, simplesmente porque não se pensa nelas.
Olhar sistêmico
Isso tudo vai custar alguma coisa para o consumidor? Provavelmente sim, pois ele pode ter alguma despesa com sacolas retornáveis, ou na compra de sacos de lixo, ou na adoção de outras formas de transporte dos gêneros que comprar. Contudo, não vamos esquecer que as tradicionais sacolinhas tinham um custo de R$ 0,15 a 0,20 para o comércio e isso era naturalmente repassado aos consumidores.
De outro lado, já foram feitos estudos sobre o ciclo de vida e emissão de CO2 de sacolas de algodão, ecobags, sacos de papel, papelão, sacolas plásticas tradicionais ou biodegradáveis e as opções de material plástico não foram as de pior desempenho em consumo de matéria-prima e pegada de carbono.
Contudo, em eco-eficiência não é somente o olhar íntrínseco ao produto que conta, mas sim uma visão sistêmica que o analise em todas as suas interfaces na sociedade – da sua funcionalidade especifica a extensões de uso e manejos de descarte.
A tecnologia pode fazer alguma coisa?
Ainda não, mas que ninguém duvide do poder da ciência. O poliuretano (plástico) é um dos materiais mais versáteis e resistentes, desenvolvidos pelo homem. Hoje, ele está presente em tudo. Mas, por seus aspectos de degradabilidade, de recurso festejado transformou-se em preocupação ambiental, sem solução realista à vista.
Recentemente, uma expedição de estudantes de Yale, pesquisando plantas nas florestas tropicais do Equador, sob a liderança do Prof. Scott Strobel, descobriu um fungo que tem a surpreendente capacidade de digerir plásticos e sobrevive em ambientes anaeróbios (sem oxigênio).
O fungo recebeu o nome de Pestalotiopsis microspora e a pesquisa sobre o processo de decomposição do plástico que ele induz já foi publicada pelos alunos da expedição. Talvez, um dia esse fungo possa ser aplicado nas profundezas de aterros sanitários e neutralizar milhões de toneladas de plástico. Mas, por enquanto, isso é apenas uma promessa; talvez um sonho.
Novos paradigmas
E assim voltamos ao nosso mundo da sacolinha. Chegamos a um ponto em que tudo o que represente ganho ambiental tem que ser feito, tem que ser tentado, sem paixões e com a racionalidade da tecnologia. Nosso horizonte não é hoje, ou o ano que vem, mas sim os 9 bilhões de seres humanos que habitarão o planeta, em cerca de 30 anos. E isso não tem negociação, é direito à vida.
Nessa perspectiva, é imperativo mudar, edificar uma nova cultura e preparar um mundo novo. Assim contextualizado, o caso das sacolinhas torna-se emblemático e por isso digo: abaixo a sacolinha! Mas tem que fazer isso com transparência, democratização da informação, consciência e educação social. Sem isso não criaremos novos paradigmas e é disso que estamos precisando na questão ambiental.