A Covid-19 sacudiu o mundo, até onde menos se esperava. Estudo de mercado conduzido em meados de março pela consultoria On Global Strategy, sediada em Portugal, para monitorar os pontos de contato de mídia mais frequentes entre marcas e consumidores portugueses, acabou revelando uma abrupta mudança no consumo de mídia, naquele país. Era um momento de acirramento da pandemia na Europa e, aferindo em quais meios de informação a atenção do público se concentrava, observou-se uma inversão na escolha de mídia das pessoas. A grande beneficiada foi a televisão, com avanços de 23 a 33 pontos percentuais de uma hora para outra, em todas as faixas etárias da população.
Chama a atenção os grupos mais jovens – geração Y (nascida de 1980 a 1995) e geração Z (1996 a 2010), cuja aderência anterior à TV estava em um dígito e de repente saltou para níveis de 30% a 40%. Entre essas gerações, a mídia digital (redes sociais, apps, websites e sms) tinha até então o protagonismo cotidiano, superando todas as mídias tradicionais. Mas em tempos de pandemia ela movimentou-se pouco entre os jovens, basicamente mantendo seu patamar de penetração. Já entre as faixas etárias mais altas o consumo de TV também deu saltos, enquanto o uso de meios digitais recuou ou, em alguns casos, manteve-se estável.
Enfim, sob o signo da pandemia o consumo de mídia aumentou, mas essa expansão expressou-se de modo marcante na televisão e bem menos nos meios digitais e canais de mensagem. Essa brusca mudança no consumo de mídia obviamente nasce com a dimensão trágica da pandemia. Sugere a busca por informação segura e “quente”, pois a questão é de vida ou morte. E as pessoas se reaproximam da grande mídia tradicional (broadcasting), até porque nelas também estão as fontes mais consagradas de jornalismo. Sem contar o princípio básico de que o produtor da informação jornalística é também o seu emissor.
Mas isso não esgota a questão. A informação do jornalismo, também corre o mundo pelas mídias sociais e até com mais conveniência de consumo para as pessoas. Só que nessa viagem digital a produção jornalística reverbera e em geral recebe juízos de valor ou filtros que, por vezes, dão outra dimensão aos fatos. Nessa perspectiva, a mudança na preferência de mídia dos portugueses parece ter a ver também com credibilidade. Para o executivo José Antonio Silva, da On Global Strategy, “o que sobressai é o grau de confiabilidade na informação, que ainda é maior para os meios tradicionais. Devido aos desafios extremos da pandemia, a questão não é ser mais eficiente, mas sim mais confiável e com reais serviços de informação”.
Em comunicação, um dos pilares é o peso da reputação dos meios sobre a percepção das informações emitidas. A credibilidade do emissor influi na percepção da informação recebida. Com a hegemonia da saúde nas decisões de escolha alimentar, fato que tende a se acentuar após a pandemia, a comunicação do agro com os mercados e a sociedade será pautada cada vez mais pela ciência. E a confiança – seja de procedência, seja também dos meios, sim – será fator estratégico para melhor assimilação e fixação das mensagens do agro, nesse mundo de guerra de narrativas em que vivemos.
Esse estudo feito em Portugal cobriu 40 mil pessoas online e 10 mil por telefone. E traz pistas interessantes para reflexões sobre a credibilidade (consciente e inconsciente) dos meios de informação no mundo de hoje. Não tenho notícias de investigação semelhante feita no Brasil, exatamente junto com a aterrissagem da Covid-19 por aqui, para se ter um paralelo em nossa realidade. Mas a globalização uniformizou hábitos de mídia pelo mundo afora, o que torna o retrato obtido em solo português, e até certo ponto extensível à vizinhança europeia, um ponto de partida pelo menos interessante. Para o marketing estratégico dos alimentos e do agronegócio, e para o diálogo de suas cadeias produtivas com a sociedade, esse vai ser um tema relevante de eficiência, daqui para frente.